Suponha que determinado Município com mais de vinte mil habitantes tenha disposto sobre uma forma diferenciada de ocupação e parcelamento do solo urbano em loteamentos fechados, tratando da disciplina interna desses espaços e dos requisitos urbanísticos mínimos a serem neles observados, em lei distinta do Plano Diretor. À luz da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, analise a (in)constitucionalidade da aludida lei.
Comentários
Na Constituição Federal de 1988, a competência para legislar em matéria de direito urbanístico foi distribuída segundo dois segmentos distintos. O estabelecimento de normas gerais de urbanismo foi atribuído concorrentemente à União, aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios.
A par dessas competências concorrentes, estabelecidas pelo artigo 24, a Constituição Federal atribuiu aos Municípios uma posição de protagonismo para dispor a respeito das matérias urbanísticas. Aos Municípios com mais de vinte mil habitantes, atribuiu a obrigação de aprovar plano diretor, como “instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana” (art. 182, § 1º). Além disso, atribuiu a todos os Municípios competência para editar normas destinadas a “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano” (art. 30, VIII) e a fixar diretrizes gerais com o objetivo de “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes” (art. 182, caput).
Assim, a atuação municipal no planejamento da política de desenvolvimento e expansão urbana há de ser conduzida com a aprovação, pela Câmara Municipal, de um plano diretor, que é obrigatório para as cidades com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes, e que servirá de parâmetro para a verificação do cumprimento da função social das propriedades inseridas nos perímetros urbanos. É o que se depreende do art. 182 da Constituição Federal.
O plano diretor, por sua vez, é um instrumento de política urbana, com natureza de norma jurídica de ordem pública, cujo conteúdo deverá sistematizar a existência física, econômica e social da cidade, estabelecendo objetivos gerais a serem perseguidos na sua administração e instituindo normas que limitam as faculdades particulares de disposição inseridas no direito de propriedade em nome do aproveitamento socialmente adequado dos espaços urbanos.
Verifica-se, portanto, que as normas constitucionais trazidas a cotejo impõem certas limitações à autonomia das Casas legislativas dos municípios de demografia populacional superior a 20.000 (vinte mil) habitantes, exigindo-lhes, antes de mais nada, um dever de atuação positiva consistente na elaboração de um plano diretor. Todavia, nem toda a matéria urbanística deve estar necessariamente contida nesse Plano.
Com efeito, tanto no caput, quanto nos dois parágrafos subsequentes do artigo 182, a Constituição utiliza locuções dotadas de significativo grau de indeterminabilidade semântica para se referir ao conteúdo do plano diretor, tais como “diretrizes gerais” (caput), “instrumento básico” (§ 1º) e “exigências fundamentais de ordenação” (§ 2º).
Assim, os preceitos em questão determinam seja o plano diretor instrumento básico, geral e fundamental da política de desenvolvimento e expansão urbana. Isso significa que o plano há de possuir um certo grau de universalidade na percepção dos espaços habitáveis da cidade. Contudo, isso não conduz, necessariamente, à conclusão de que todas as formas de parcelamento, uso ou ocupação do solo devam estar inteiramente disciplinadas pela Lei do Plano Diretor. Há determinados modos de aproveitamento do solo urbano que, pelas suas singularidades, podem, legitimamente, receber disciplina jurídica autônoma, razão pela qual se afigura constitucional a legislação sobre programas e projetos específicos de ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor, de acordo com a jurisprudência consolidada do STF, que analisou o caso sob a sistemática da repercussão geral (RE-RG 607.940/DF), tendo fixado a seguinte tese: “Os municípios com mais de vinte mil habitantes e o Distrito Federal podem legislar sobre programas e projetos específicos de ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor”.
Melhor resposta - Francisco Ibiapina
A princípio, a CF dispõe que o plano diretor é obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, sendo esse o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. No caso em apreço, o Município com mais de vinte mil habitantes dispôs sobre uma forma diferenciada de ocupação e parcelamento do solo urbano em loteamentos fechados, tratando da disciplina interna desses espaços e dos requisitos urbanísticos mínimos a serem neles observados, em lei distinta do Plano Diretor.
Ocorre que, conforme entendimento do STF, nada obsta que os Municípios com mais de 20 mil habitantes editem leis específicas sobre programas e projetos específicos de ordenamento do espaço urbano, desde que compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor. Ademais, nem sempre que o Município for legislar sobre matéria urbanística, ele precisará fazê-lo por meio do Plano Diretor. Sendo assim, no caso em apreço, a lei é constitucional, conforme jurisprudência do STF.
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