O Hospital XYZ propôs ação de ressarcimento em face da União, objetivando o pagamento de diferenças da tabela de procedimentos cirúrgicos do SUS, em razão de errônea conversão da unidade de referência de valor (URV) para Real. O pedido foi julgado procedente, tendo sido a União condenada a indenizar o Hospital XYZ, bem como a pagar honorários de sucumbência no valor de R$ 150.000,00. Durante a execução do julgado, o Banco ABC interveio como terceiro interessado, sob o argumento de que o advogado do Hospital XYZ havia cedido seus honorários de sucumbência, e requereu, por conseguinte, que fosse habilitado como credor por ocasião da expedição do precatório respectivo.
Em face dessa situação hipotética, responda, de forma justificada, aos questionamentos seguintes:
(a) é possível a cessão de crédito de precatórios?
(b) a União pode questionar a eficácia da cessão de crédito?
(c) sendo os honorários advocatícios considerados verbas de natureza alimentar, poderia o respectivo crédito ser cedido, dada a natureza da obrigação prevista como vedação no art. 286 do CC?
Comentários:
É sim possível a cessão de crédito de precatório, por expressa permissão do art. 100, §13, da CF/88. Para tanto, é dispensável anuência do ente público, mas é preciso, para produção de efeitos perante o devedor, que ele seja comunicado, por meio de petição, a qual também deve ser encaminhada ao tribunal de origem (art.100, §14, CF). Respeitado esse requisito, a União não pode questionar a eficácia da cessão.
No tocante à vedação de cessão de crédito de natureza alimentar, prevista no art. 1.707 c/c art. 286, ambos do CC, entende-se inaplicável aos precatórios. Isso porque, apesar da natureza alimentar, aqueles valores não são imprescindíveis para a manutenção cotidiana e subsistência da pessoa. Isso é contrário à própria sistemática dos precatórios, que demanda um lapso de tempo considerável para satisfação do crédito. Com efeito, a classificação do crédito como alimentar, para fins de precatório, importa apenas para conferir ao credor preferência no pagamento.
Além dessa distinção, é preciso destacar que a previsão de cessão de precatório, além de ser norma especial tem status constitucional, afastando-se, portanto, o regramento civil no caso de cessão de precatórios. Dessa forma, como a CF não faz nenhuma restrição à cessão de crédito de precatório de natureza alimentar, não cabe diminuir o âmbito de incidência da norma constitucional por uma previsão infraconstitucional.
Destaque-se, ainda, que a CF/88, ao prever que o precatório de natureza alimentar cedido perderá essa natureza (art. 100, §13, parte final) permite, de forma indireta, a cessão de precatório alimentar. Caso não fosse assim, a previsão em comento não teria qualquer sentido e, de acordo com a máxima no Direito, a lei não possui palavras inúteis.
Portanto, o crédito relativo a honorários advocatícios, apesar de sua natureza alimentar, pode sim ser cedido. Todavia, o cessionário (no caso, o Banco ABC) não fará jus à preferência no pagamento, uma vez que, com a cessão, o crédito perde a natureza alimentar e entra na fila geral de precatórios. Nesse sentido, a preferência que goza o cedente não se transfere ao cessionário.
Melhor Resposta - Fernanda dos Santos Martins:
A Constituição Federal em seu artigo 100, §§ 13 e 14, dispõe sobre a possibilidade de cessão de crédito em precatórios, podendo ser inclusive, total ou parcial. Nesse caso, perde-se a prioridade estabelecida nos §§ 2º e 3º do referido artigo, se houver. Ainda, faz-se necessária a comunicação ao tribunal de origem e à entidade devedora para produção dos efeitos.
Ademais, os honorários advocatícios, sucumbenciais ou contratuais, trata-se de direito material do advogado, podendo executá-lo ou cedê-lo a terceiro.
Quanto a possibilidade de questionamento da União sobre a eficácia da cessão de crédito, não faz jus ao reclame, haja vista o artigo 100, §13 da CF dispor expressamente que a cessão de crédito independe de concordância do devedor. Havendo apenas, como já exposto acima, a obrigatoriedade de notificação, sendo conduta procedimental.
Embora considerado verba de natureza alimentar, os honorários advocatícios perdem essa natureza quando são objeto de cessão, obedecendo a ordem cronológica de pagamento sem as prioridades previstas, por descaracterizar a finalidade de manutenção e subsistência do credor originário. Dito isto, é plenamente possível sua cessão por precatórios, tendo em vista ainda a expressa permissão decorrente da Constituição Federal.
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