Em agosto de 2016, o Plenário do STF julgou ADI, que declarou a inconstitucionalidade de alguns dispositivos da Lei Estadual nº 1.222/98, que trata do processo administrativo estadual. Em outubro de 2017, a Assembleia Legislativa editou a Lei nº 2.111/17 alterando a Lei nº 1.222/98, prevendo regras semelhantes àquelas que haviam sido declaradas inconstitucionais pelo STF na referida ADI. Considerando o referido panorama, discorra sobre a possibilidade de a Assembleia Legislativa voltar a tratar da matéria no mesmo sentido da norma declarada inconstitucional, abordando, necessariamente, os seguintes pontos:
a) Separação dos Poderes;
b) Eficácia subjetiva das decisões proferidas em ADI; e
c) Judicial review e reação legislativa.
Comentários:
O cerne da questão envolve o conhecimento acerca de controle de constitucionalidade, processo legislativo e separação dos poderes, segundo as balizas traçadas pelo STF a partir do julgamento da ADI 5.150/DF.
Inicialmente, cabe destacar que o Brasil adota o sistema misto de controle de constitucionalidade, cuja responsabilidade incumbe ao Poder Judiciário. Através dele a fiscalização de constitucionalidade das leis e atos normativos pode ser realizada de forma difusa (por todos os juízes e tribunais) e de forma concentrada (pelo Supremo Tribunal Federal).
Em razão dessa sistemática, que se originou no ordenamento jurídico norte-americano e foi denominada “judicial review”, compete ao Poder Judiciário dar a última decisão acerca da constitucionalidade das leis ou dos atos normativos, sendo que qualquer outra medida realizada pelos demais poderes contra essa atribuição, em tese, afronta o princípio da separação dos poderes. Em outras palavras, destaca-se que a Constituição, sendo um texto legal, deve ser interpretada e aplicada pelo Poder Judiciário.
Quanto à eficácia subjetiva das decisões proferidas em ADI, é importante notar que as decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF no julgamento das ações de controle de constitucionalidade (ADI, ADC ou ADPF) possuem eficácia contra todos – erga omnes – e efeito vinculante, nos termos do art. 102, § 2º, da CF/88, que possui a seguinte redação:
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
No caso específico da ADPF, os efeitos descritos são determinados pelo art. 10, § 3º, da Lei n. 9.882/99.
Em decorrência desse efeito vinculante, caso haja a violação do que restou fixado por parte das pessoas e órgãos que se submetem à decisão por força das disposições acima destacadas, o interessado poderá questionar esse ato diretamente no STF por meio de reclamação (art. 102, I, “l”, da CF/88).
Especificamente em relação à eficácia subjetiva das referidas decisões, vale colacionar quadro-resumo bastante elucidativo elaborado pelo Prof. Márcio André ao comentar a decisão proferida na ADI em referência. Veja-se:
Eficácia SUBJETIVA das decisões proferidas pelo STF em ADI, ADC e ADPF |
|
Particulares |
Ficam vinculados. Caso haja desrespeito, cabe reclamação. |
Executivo |
Os órgãos e entidades do Poder Executivo ficam vinculados. Caso haja desrespeito, cabe reclamação. |
Judiciário |
Os demais juízes e Tribunais ficam vinculados. Caso haja desrespeito, cabe reclamação. |
STF |
A decisão vincula os julgamentos futuros a serem efetuados monocraticamente pelos Ministros ou pelas Turmas do STF. Essa decisão não vincula, contudo, o Plenário do STF. Assim, se o STF decidiu, em controle abstrato, que determinada lei é constitucional, a Corte poderá, mais tarde, mudar seu entendimento e decidir que esta mesma lei é inconstitucional por conta de mudanças no cenário jurídico, político, econômico ou social do país. Isso se justifica a fim de evitar a "fossilização da Constituição". Esta mudança de entendimento do STF sobre a constitucionalidade de uma norma pode ser decidida, inclusive, durante o julgamento de uma reclamação constitucional. Nesse sentido: STF. Plenário. Rcl 4374/PE, rel. Min. Gilmar Mendes, 18/4/2013 (Info 702). |
Legislativo |
O Poder Legislativo, em sua função típica de legislar, não fica vinculado. Isso também tem como finalidade evitar a "fossilização da Constituição". Assim, o legislador, em tese, pode editar nova lei com o mesmo conteúdo daquilo que foi declarado inconstitucional pelo STF. Se o legislador fizer isso, não é possível que o interessado proponha uma reclamação ao STF pedindo que essa lei seja automaticamente julgada também inconstitucional (Rcl 13019 AgR, julgado em 19/02/2014). Será necessária a propositura de uma nova ADI para que o STF examine essa nova lei e a declare inconstitucional. Vale ressaltar que o STF pode até mesmo mudar de opinião no julgamento dessa segunda ação. |
Ressai daí que o Poder Legislativo não figura entre aqueles que se vinculam ao entendimento firmado pelo STF no julgamento de ação de controle de constitucionalidade, sendo possível, sim, que a Assembleia Legislativa volte a tratar sobre o mesmo tema objeto de apreciação pela Suprema Corte.
Segundo a Carta Magna, foi atribuída ao STF a missão institucional de dar a última palavra em termos de interpretação da Constituição. Isso não significa, contudo, que o legislador não tenha também a capacidade de interpretação do Texto Constitucional. O Poder Legislativo também é considerado um intérprete autêntico da Constituição e justamente por isso ele pode editar uma lei tentando superar o entendimento anterior ou provocar um novo pronunciamento do STF a respeito de determinado tema, mesmo que a Corte já tenha decidido o assunto em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
A isso se dá o nome de "reação legislativa" ou "superação legislativa", que, como uma forma de "ativismo congressual" (conceito dado à participação mais efetiva e intensa do Congresso Nacional nos assuntos constitucionais), tem por objetivo conferir ao Poder Legislativo uma possibilidade de reverter situações de autoritarismo judicial ou de comportamento antialógico do STF, estando, portanto, amparado no princípio da separação dos poderes.
Por esse motivo, o art. 102, § 2°, da CF/88, limitou a eficácia subjetiva das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações de controle abstrato de constitucionalidade, permitindo que a vinculação aos seus efeitos se estenda apenas aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, das esferas federal, estadual e municipal.
Dessa forma, ao ser questionado até que ponto vai a liberdade do Poder Legislativo que, no exercício de sua função típica, elabora uma norma que contraria posicionamento do STF proferido em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a Suprema Corte entendeu que suas decisões não subtraem “ex ante” a faculdade de correção legislativa pelo legislador ordinário.
Contudo, por sua palavra ser a “ultima ratio” acerca da constitucionalidade dos atos normativos, no caso de reversão jurisprudencial proposta por lei ordinária, a lei que frontalmente colidir com a jurisprudência do STF nasce com presunção relativa de inconstitucionalidade, de forma que caberá ao legislador o ônus de demonstrar, argumentativamente, que a correção do precedente se afigura legítima, demonstrando de forma cabal que as premissas fáticas e jurídicas sobre as quais se fundou a decisão do STF no passado não mais subsistem, movimento este que acarreta uma verdadeira mutação constitucional pela via legislativa.
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¹http://www.dizerodireito.com.br/2015/10/superacao-legislativa-da-jurisprudencia.html
Melhor Resposta - Jill Magnago:
A eficácia subjetiva dos julgamentos das ações de controle concentrado de constitucionalidade - ADI, ADC e ADPF - é contra todos - erga omnes – e vinculante. Desse modo, estão vinculados os particulares, a administração pública direta e indireta e os demais órgãos do Poder Judiciário. No que tange ao STF, vincula decisões de ordem monocrática pelos ministros ou pelas Turmas, mas não as do Plenário que pode inclusive rever sua decisão no bojo de uma Reclamação Constitucional. Já o Poder Executivo não está vinculado na função típica de legislar, de modo que poderá, em virtude do princípio da separação dos poderes, legislar contrariamente ao decidido pelo STF. Importante frisar que tais exceções visam evitar a fossilização Constitucional.
A reação legislativa se dá na exata medida em que, buscando reverter interpretação dada pelo STF – judicial review, o poder legislativo edita lei cuja matéria fora anteriormente julgada inconstitucional. Tal superação legislativa da jurisprudência vem acompanhada da necessidade que se tem de trazer dialogicidade à interpretação da Constituição que deve ser feita pelos Poderes da República.
Contudo, a nova lei ordinária nasce com presunção relativa de inconstitucionalidade de modo que o poder legislativo deverá demonstrar que alteração jurisprudencial se mostra legítima, comprovando que as premissas fáticas e jurídicas sobre as quais se baseou o STF ao julgar a inconstitucionalidade da lei anterior não mais subsistem.
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