A Procuradoria-Geral do Estado do Mato Grosso pretende ajuizar reclamação constitucional no STF, alegando que a Lei Estadual n.º 1000/2016 é inconstitucional, por violar o entendimento do STF assentado na ADI 290/SC, proferido contra ato normativo constante da Constituição do Estado de Santa Catarina, que vedava o recebimento de remuneração dos servidores estaduais em patamar inferior ao piso salarial profissional estabelecido em lei federal. Sobre o tema discorra:
Abstraindo a hipótese narrada, considerando que o Governador do Estado do Mato Grosso, ao invés da reclamação constitucional, ajuíze, no STF, ADI, com pedido liminar, contra a referida lei local, responda:
Comentários:
Letras “A” e “B”:
De início, cumpre afirmar que o tema ganhou novos elementos com a vigência do NCPC, que assenta em seu art. 988, III:
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
O dispositivo processual regulamenta o quanto exposto no art. 102, I, alínea “l”, da CF/88, que autoriza a propositura de reclamação constitucional para preservar a competência ou garantir a autoridade das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.
Na linha do que leciona Leonardo Carneiro da Cunha, a reclamação é cabível, se a decisão proferida num processo objetivo formado por uma dessas ações de controle concentrado/abstrato de constitucionalidade não for atendida por órgão jurisdicional ou administrativo.
Caso um órgão legislativo, desconsiderando o conteúdo da decisão do STF, elabora lei ou norma com conteúdo idêntico daquela anteriormente julgada inconstitucional pelo STF, contra tal lei não caberá reclamação ao STF, mas sim uma nova Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Isso porque, o legislador pode, no exercício de sua atividade legiferante, editar norma que contrarie o entendimento do STF. O efeito vinculante das decisões proferidas no controle concentrado de constitucionalidade (art. 102, §2º, da CF) não alcança os órgãos do Poder Legislativo.
Em resumo, não seria possível manejar reclamação constitucional na situação narrada no enunciado. A declaração de inconstitucionalidade da lei deveria ser buscada em ADI (art. 102, I, "l"), que, segundo o STF, não é fungível com a reclamação.
Letra “C”:
Nesse tópico, a questão perquiriu o que seria, então, “decisão do STF em controle de constitucionalidade” para fins de cabimento de reclamação constitucional, devendo-se definir se se deve considerar apenas a parte dispositiva, ou também a ratio decidendi, também conhecida como “motivos determinantes”.
Leonardo Carneiro da Cunha, levando em conta a ideia de precedentes obrigatórios trazida pelo NCPC, sentencia:
A decisão de ADI, ADC ou ADPF, além de decidir a questão objetiva que lhe foi submetida, torna-se precedente, estabelecendo a norma geral para casos futuros semelhantes. Quando o STF afirma, por exemplo, que uma lei estadual é inconstitucional, ele não só cria a regra do caso, como também produz um precedente, para que, em casos futuros, que digam respeito a outras leis estaduais, este mesmo entendimento seja observado. Se um órgão jurisdicional considerar como constitucional uma lei estadual análoga àquela que o STF considerou inconstitucional, caberá reclamação, em razão do desrespeito ao precedente nascido de uma decisão em controle concentrado. A reclamação, nesse caso, serve para fazer valer a ratio decidendi do precedente (fundamentação) adotada pelo STF, em um processo de controle concentrado de constitucionalidade.
Segue afirmando que os acórdãos em ADI, ADC e APF possuem duas partes: o dispositivo, que faz coisa julgada; e a fundamentação, que gera o precedente. Conclui aduzindo que ambas as partes possuem eficácia vinculativa, motivo pelo qual o desrespeito a qualquer delas descerra a possibilidade de ajuizamento de reclamação constitucional.
O autor estriba sua posição no art. 927, I, do NCPC, segundo o qual:
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
O Supremo Tribunal Federal chegou a adotar a teoria dos motivos determinantes em algumas decisões. Foi enfatizada a importância de se criar mecanismos para que a interpretação dada por aquela Corte a uma norma seja observada pelos demais tribunais do país.
Todavia, em julgados mais recentes, mas ainda sob a égide do CPC/73, foi afastada a tese dos efeitos irradiantes ou transbordantes, segundo a qual o efeito vinculante mencionado no artigo 102, §2º, da Constituição e no parágrafo único do artigo 28 da Lei nº 9.868/99, abrangeria não apenas a parte dispositiva, mas também a “ratio decidendi”. Na reclamação de nº 10.604, com decisão monocrática prolatada em 2010, restou consignado que prestigiar de tal forma o órgão de cúpula do Poder Judiciário implica desprestígio aos órgãos de base, o que vai de encontro à essência do regime democrático.
O STF, nesse particular, adota a teoria restritiva, para que os sobreditos efeitos alcancem apenas a parte dispositiva da decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
Para a doutrina, trata-se de jurisprudência defensiva, cujo único objetivo é evitar a proliferação dessas demandas constitucionais.
Portanto, para fins de concurso público o candidato deve saber que:
O momento é de aguardar o posicionamento do STF já sob a vigência do NCPC, para sabermos o que prevalecerá.
Letras “D” e “E”:
Noutro giro, a possibilidade de o chefe do Executivo descumprir lei inconstitucional põe em rota de colisão os princípios da supremacia da Constituição e o da legalidade administrativa. Isso porque, ao passo que o agente público deve agir conforme os preceitos legais, deve, com maior razão, zelar pelo cumprimento da Constituição da República.
Antes do advento da CF/88, doutrina e jurisprudência firmaram-se no sentido de que era possível o descumprimento de lei considerada inconstitucional pelos chefes do Poder Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos), na medida em que não lhes era franqueada a possibilidade de ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade, pois a CF/67 previa como legitimado exclusivo o Procurador-Geral da República. Assim, como tais agentes não poderiam questionar a constitucionalidade das leis, restaria, como única opção, o seu descumprimento, sob o argumento de inconstitucionalidade.
Com a ampliação do rol de legitimados pela CF/88, que passou a abranger no seu art. 103 o Presidente da República e os Governadores de Estado, questionou-se se o entendimento anterior deveria prevalecer. Parcela da doutrina advogava que não seria mais possível o descumprimento de lei reputada inconstitucional pelo chefe do Poder Executivo, sendo a ADI a via adequada para se buscar a cessação dos efeitos da norma supostamente violadora da Constituição.
Todavia, esta tese sucumbiu. Primeiro, porque o rol do art. 103, embora mais largo, não previu a legitimidade dos prefeitos ao ajuizamento de ADI no STF, sendo irracional imaginar-se a possibilidade de descumprimento de lei apontada como inconstitucional por eles e a impossibilidade de os demais chefes – Presidente e Governadores – fazerem o mesmo.
Segundo, porque o critério para se chancelar o descumprimento de lei inconstitucional não é apenas formal, mas, principalmente, substancial. Com efeito, é o princípio da supremacia da Constituição que justifica o afastamento de lei violadora de suas normas, pois, na esteira de Luís Roberto Barroso, a aplicação de lei inconstitucional é o mesmo que a negativa da aplicação da própria Constituição. STF e STJ possuem precedentes neste sentido.
Desta feita, é, sim, possível que o Governador do Estado do Mato Grosso descumpra, na hipótese narrada, a Lei Municipal n.º 1000/2016, mesmo antes do julgamento da ADI no TJMT. Cuida-se de controle de constitucionalidade posterior ou repressivo realizado pelo Poder Executivo.
Ademais, no caso de indeferimento de cautelar em ADI, não será cabível o manejo de reclamação constitucional. É que, segundo o STF, ao contrário das decisões de mérito, que possuem efeito ambivalente ou de “sinal trocado”, o indeferimento de medida cautelar em ADI não significa a confirmação de constitucionalidade da lei objeto do controle, mas tão somente que, naquele processo específico, não restaram demonstrados os requisitos para o provimento de urgência (fumus boni iuris e periculum in mora). Ou seja, as decisões proferidas pelo STF em sede de cautelar em ADI não possuem efeito ambivalente, motivo pelo qual, se o juízo for de indeferimento, não possuirão autoridade a ser garantida em reclamação constitucional.
Melhor resposta - Marianne Ramalho:
Reclamação constitucional não é instrumento adequado para a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Segundo o STF, trata-se do exercício do direito de petição com a finalidade de preservar a competência dos tribunais, bem como a garantia de suas decisões. Por se tratar de instituto distinto da ação direta de inconstitucionalidade, a Corte Suprema não admite a fungibilidade entre eles.
De acordo a Teoria da intranscendência dos motivos determinantes, tanto os fundamentos quanto o decisum teriam efeito vinculante. Apesar de haver julgados nesse sentido, a atual jurisprudencia do STF, adotando a teoria restritiva, apenas atribui ao decisum o caráter vinculante. No caso em apreço, os fundamentos da ADI relativos a ato normativo contido na Constituição do Estado de Santa Catarina não teriam efeito vinculante e, por consequência, não se aplicaria ao julgamento da ADI proposta em face da Lei Estadual Nº 1000/2016 pela Procuradoria Geral do Estado do Mato Grosso.
O Governador do Estado do Mato Grosso, antes do julgamento da ADI, poderá afastar a aplicação da lei que entende inconstitucional, sob o fundamento de aplicação do princípio da supremacia constitucional. Em caso de indeferimento da medida cautelar, o descumprimento pelo Governador não enseja o ajuizamento da reclamação constitucional, pois a decisão indeferitória não tem efeito equivalente ao mérito do julgamento da ADI, significando apenas que não foram satisfeitos os requisitos para concessão da medida cautelar.
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