O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, em diversas decisões, vêm, por meio da adoção de uma tese doutrinária, relativizando a decretação de nulidades absolutas com fundamento no princípio da boa-fé processual.
A nulidade de algibeira (ou “de bolso”) ocorre quando a parte, embora tenha o direito de alegar a nulidade, mantém-se inerte durante longo período, a título de estratégia processual, deixando para exercer seu possível direito somente no momento em que melhor lhe convier (= “omissão deliberada”).
Nesse caso, à luz do princípio da boa-fé objetiva processual, entende-se que a parte renunciou tacitamente ao seu direito de alegar a nulidade, inclusive a de natureza absoluta, aplicando a supressio (ou seja, a supressão de um direito).
Deve-se prestigiar os princípios da boa-fé objetiva e da cooperação, cujo dever de lealdade compreende postura ética, honesta, franca, de boa-fé e proba que se exige em um Estado de Direito.
Sobre o tema, o inciso II do artigo 14, do Código de Processo Civil, verdadeira cláusula geral processual, determina: “são deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo proceder com lealdade e boa-fé”.
Outrossim, ao ser vedar a alegação de nulidade processual absoluta apenas quando for conveniente a quem quiser alegá-la, aplica-se a ideia de que não se pode legitimar comportamento contraditório de quem alegou o vício (venire contra factum proprium).
Vejamos como o STJ compreende a questão: “A jurisprudência do STJ, atenta à efetividade e à razoabilidade, tem repudiado o uso do processo como instrumento difusor de estratégias, vedando, assim, a utilização da chamada ‘nulidade de algibeira ou de bolso’”.
Precedentes: AgRg na PET no AREsp 204.145/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23/06/2015, DJe 29/06/2015; EDcl no REsp 1424304/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/08/2014, DJe 26/08/2014.
Em caso semelhante, destacou o Ministro Gilmar Mendes, do STF, no HC nº 105.041/SP: “é evidente que se trata de nulidade absoluta, mas também é evidente que não houve alegação no tempo devido. O que essa prática suscita é a possibilidade de se guardarem nulidades para serem arguidas, o que resulta em um não respeito à lealdade processual”. Nesse sentido, destaca-se trecho do referido acórdão, proferido pela 2ª Turma do STF:
Bem postas essas balizas, a despeito de reputar que o caso versa hipótese de nulidade absoluta, dado para mim elementar é que a defesa foi intimada pessoalmente do teor do acórdão resultante do exame da
apelação, deixando transcorrer in albis o prazo para a interposição de recurso. Somente após a realização do novo Júri, ocorrido em 4.9.2007, impetrou habeas corpus no STJ, registrado no dia 5.11.2007, mais de um 1 ano e 6 meses depois da data de julgamento da apelação no Tribunal de Justiça estadual, que ocorreu em 2.2.2006. Assim, tenho para mim que — considerando-se o fato de a defesa ter sido devidamente intimada da publicação do acórdão e adotado a estratégia processual de se manter inerte — é o caso de afastar a alegada nulidade em virtude da falta de intimação pessoal do defensor da data do julgamento da apelação, sobretudo se se levar em conta que a defesa só se dignou a sustentar a
nulidade após o julgamento do segundo Júri, 1 ano e 6 meses após a data de julgamento da apelação.(HC 105041, Relator: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 13/09/2011)
A força normativa do princípio da boa-fé objetiva processual obsta qualquer tipo de alegação, em confronto, no caso concreto, com outros importantes princípios, como do contraditório e da ampla defesa.
Conclusivamente, pode-se afirmar que o vício processual, ainda que grave, não acarreta necessariamente a decretação da invalidade do ato jurídico, podendo a sanção de invalidade ser afastada quando presente a violação à boa-fé objetiva.
Por fim, observa-se que tanto o STJ quanto o STF chegaram a mesma conclusão quanto à influência que a boa-fé objetiva processual exerce no sistema de nulidades, não permitindo que a alegação desta fique guardada para momento posterior quando pode ser realizada antes, independentemente da gravidade do vício (nulidade absoluta e nulidade relativa).