Nos últimos meses, a minha última tarefa diária tem sido contar alguma história para Alice dormir.
Invento a maioria delas, mas, nas últimas semanas, me socorri dos clássicos.
Ontem a noite, por exemplo, a missão era narrar a história da princesa Aurora, que, em resumo, recebeu um feitiço logo que nasceu de uma bruxa má, necessitando de um contrafeitiço ministrado por uma das três fadas madrinhas bondosas.
Quando mencionei que "então as três fadas madrinhas apareceram", Alice me interrompeu repentinamente:
- Papai, tem fada madrinha no Pinóquio e na Cinderela também.
Franzi a testa e olhei para cima como quem tentava lembrar do que havia lido há alguns dias e respondi:
- Verdade, filha, tem mesmo. A do Pinóquio transformou ele em criança e a da Cinderela, com um toque de mágica, em princesa com sapatos de cristal.
Isso, além de me abobalhar como pai orgulhoso, me fez lembrar do que tanto ensino para vocês: o primeiro passo para aprender é estudar; o segundo é pensar.
Tenho insistido, sobretudo, nas aulas com maior carga de lei seca (Civil e Processo Civil), que é preciso fazer conexões entre os conteúdos. Colocar os artigos para conversar entre si e tirar conclusões inteligentes, que podem e vão ser cobradas em provas.
Vou dar um exemplo onde você vai encontrar fadas madrinhas em mais de um lugar.
O art. 927 do CPC elenca os precedentes obrigatórios. Em resumo, são: (i) as decisões proferidas pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade; (ii) súmulas vinculantes e súmulas do STF e STJ; (iii) IAC, IRDR, RE/REsp repetitivos; (iv) orientação do plenário ou órgão especial ao qual se vinculam os juízes e tribunal prolator.
Mais a frente, encontramos o art. 932, IV e V, e 955, parágrafo único, do CPC, que permitem o julgamento monocrático de recurso ou de conflito de competência pelo relator, quando o caso envolver (i) súmulas; (ii) repetitivos; (iii) IRDR ou IAC. Aliás, essas hipóteses, somadas à prescrição e decadência, também permitem o julgamento de improcedência liminar do pedido previsto no art. 332 do CPC.
Dessa primeira conversa entre os artigos, o que é possível aprender depois de pensar?
Primeiro, pela leitura estrita do CPC, não são todos os precedentes obrigatórios que permitem o julgamento unipessoal de recurso, de conflito de competência ou de improcedência liminar do pedido. Isso porque, nos dispositivos que regem esses julgamentos, não há menção, por exemplo, às decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade, tampouco às orientações plenárias ou de órgão especial.
Segundo, as hipóteses de improcedência liminar do pedido são mais largas do que as do julgamento unipessoal de recurso ou conflito de competência, pois abrangem a prescrição e a decadência.
Quer ver a mesma fada madrinha com um vestido um pouco diferente?
O art. 966, §5º, do CPC, define o alcance de "norma jurídica" para fins de cabimento de ação rescisória. O dispositivo afirma que cabe AR quando a decisão atacada violar (i) súmula ou (ii) acórdão proferido em casos repetitivos.
O que é possível aprender depois de pensar?
Que o alcance de "norma jurídica" para fins de cabimento de AR é mais restrito do que o de precedentes obrigatórios e também mais restrito do que as hipóteses de julgamento monocrático de recurso e de conflito de competência. Isso porque não cabe AR contra decisão que viole IAC, já que esta decisão não afronta súmula ou casos repetitivos, estes últimos adstritos ao IRDR e RE/REsp repetitivos (art. 928).
Eu poderia dar vários outros exemplos de fadas madrinhas, como o caso da indenização suplementar da cláusula penal, que depende de convenção das partes (art. 416 do CC) e a indenização suplementar das arras (art. 419 do CC), que decorre automaticamente da lei.
Mas o que eu quero com minha recém inaugurada "teoria da fada madrinha" é fazer com que você se interesse em pensar e, por consequência, se torne um concurseiro(a) mais inteligente. E isso requer cuidados. Abominar a pressa é um deles. O objetivo fictício de "bater meta" jamais pode ser pretexto para que você acelere de modo desembestado o estudo dos conteúdos.
Por isso, ao estudar a lei seca, não se contente em apenas ler, mesmo que o seu cronograma esteja atrasado.
Estudar para aprender é processar conexões neurais; voltar em dispositivos que você lembra que são parecidos; buscar entender o sentido da norma; pesquisar referências doutrinárias se tiver dúvida; rabiscar anotações, esquemas e setas onde couber.
Pode acreditar: você precisa disso, a menos que queira dormir eternamente.
Um abraço encantado,
Caio e Alice.