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Sistema de julgamento de casos repetitivos

(PGM/Fortaleza 2017) A respeito do julgamento de casos repetitivos, conforme previsto no Código de Processo Civil, atenda às determinações a seguir.

1. Identifique as técnicas ou os institutos processuais legalmente previstos para formar decisões que serão consideradas como julgamento de casos repetitivos.

2. Diferencie os sistemas de causa-piloto e de procedimento-modelo e os relacione com as técnicas ou os institutos processuais mencionados no tópico anterior.

3. Discorra sobre a possibilidade de utilização do instituto da reclamação no caso de decisão judicial que desrespeite entendimento formado em julgamento de casos repetitivos.

Comentários:

Item 1.

O item em referência é taxativo ao exigir o conhecimento das técnicas ou institutos processuais legalmente previstos para formar decisões que serão consideradas como julgamento de casos repetitivos.

Vê-se, assim, que a questão se encontra “blindada”, pois o examinador deixa claro que quer avaliar o conhecimento do candidato acerca do texto legal, não sendo relevantes eventuais entendimentos doutrinários sobre a matéria.

Portanto, à luz do disposto no art. 928, do CPC, o candidato deve destacar que se considera julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em (i) recurso especial ou extraordinário repetitivos, com fundamento em idêntica questão de direito e em (ii) incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR). 

Item 2.

Nesse item, a banca examinadora abordou tema doutrinário muito debatido no direito processual civil brasileiro, qual seja, o sistema adotado pelo novo CPC para o julgamento de casos repetitivos.

De início, saliente-se a existência de dois sistemas diferentes: (i) sistema de “causa-piloto” e (ii) sistema de “procedimento-modelo”.

No sistema de “causa-piloto”, o órgão julgador seleciona um caso concreto para julgar, fixando-se, a partir deste, uma tese abstrata a ser seguida nos demais processos. Ex.: Áustria e Portugal (contencioso administrativo).

No sistema de “procedimento-modelo”, instaura-se um incidente apenas para fixar, em abstrato, a tese a ser seguida, não havendo a escolha de um caso concreto a ser julgado. Ex.: Alemanha (Musterverfahren).

Qual foi, então, a opção brasileira?

Quanto ao julgamento dos recursos repetitivos, é certo que o CPC brasileiro adotou o sistema de “causa-piloto”, pois o tribunal, ao julgar o caso afetado (ou paradigma), em sede de recurso repetitivo, também fixa a tese a ser aplicável aos demais casos repetitivos.

O problema surge quanto ao sistema adotado no IRDR...

A doutrina diverge acerca da possibilidade, ou não, de se instaurar o IRDR sem que haja causa pendente no tribunal, isto é, há controvérsia acerca da possibilidade de se iniciar um IRDR sem a existência, no tribunal, de processo que verse sobre a matéria em discussão.

De acordo com o entendimento doutrinário majoritário, encabeçado por Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, o IRDR não pode ser instaurado sem que haja causa pendente no tribunal, motivo pelo qual também se aplica o sistema da “causa-piloto” ao referido instituto. Nesse mesmo sentido, os seguintes autores: Alexandre Freitas Câmara, Antônio do Passo Cabral e Daniel Amorim Assumpção Neves.

Referida conclusão advém da seguinte observação: se não houvesse demanda em trâmite no tribunal, não se teria um incidente processual, mas um processo originário, com a criação de competência originária para tribunal, o que não pode ser feito pelo legislador ordinário (art. 103, 105, 108, 125, § 1º, CF/88).

Em outras palavras, caso fosse possível a instauração de IRDR sem a existência de caso pendente no tribunal, ter-se-ia descaracterizada a natureza jurídica de incidente processual, o que ensejaria a sua inconstitucionalidade, pois somente a Constituição Federal pode instituir competência originária para tribunais.

Há, inclusive, Enunciado do Fórum Permanente de Processualistas Civis nesse sentido: “A instauração do incidente pressupõe a existência de processo pendente no respectivo tribunal (Enunciado no 344, FPPC)”.

Em sentido contrário, entendendo que o IRDR se caracteriza como espécie de “procedimento-modelo”, destaca José Miguel Medina: “O incidente emerge de processos que se repetem, mas não faz com que se desloque algum processo para o tribunal. Não há, pois, uma causa ou recurso selecionado para julgamento, a ser remetido ao tribunal, enquanto os demais ficam sobrestados”. Com o mesmo entendimento: Dierle Nunes e Sofia Temer.

Tem-se, portanto, que (i) quanto aos recursos repetitivos o sistema adotado foi o da “causa-piloto”, não havendo maiores discussões sobre a matéria; (ii) já no tocante ao IRDR, a doutrina diverge sobre o tema, tendo em vista a existência de controvérsia acerca da viabilidade, ou não, de se instaurar o IRDR sem que haja causa pendente no tribunal.

Ressalte-se, ademais, que essa foi a conclusão adotada pelo CESPE no padrão de resposta da presente questão:

 

No sistema de causa-piloto, o órgão jurisdicional seleciona um caso para julgar e, no exame do caso concreto, fixa o precedente (tese) a ser seguido nos demais. Logo, os recursos repetitivos são processados como causa-piloto (art. 1.3, CC) e, uma vez julgado o recurso-paradigma (piloto), fixa-se a tese (precedente) para os casos sobrestados. No sistema do procedimento-modelo (causa-modelo), por sua vez, instaura-se um incidente apenas para exame de tese ou questão jurídica que formará o precedente.  No caso do IRDR, o CPC, em seu art. 978, parágrafo único, afirma que o órgão que julga o incidente e fixa a tese examina também o recurso, a remessa ou a ação originária. A lei não deixa claro se o julgamento do caso é concomitante ao da tese ou não. Atualmente, existe divergência na doutrina sobre qual o modelo adotado no Brasil”.

Para aprofundar: Quando houver desistência da ação ou recurso afetado para julgamento, o IRDR ou recurso repetitivo pode prosseguir para a definição da questão comum, nos termos dos artigos 976 e 998, do CPC. Como se percebe, o CPC, nessas hipóteses, adotou o sistema da “causa-modelo”. Isso porque, mesmo não havendo mais caso concreto – ante a desistência -, o tribunal fixará a respectiva tese jurídica, ainda que em abstrato. Em outras palavras, a desistência não impede o julgamento do IRDR ou do repetitivo, com a definição da tese a ser adotada pelo tribunal, mas o julgamento não atinge quem desistiu. Nesses casos, o Ministério Público assume a titularidade do feito, consoante preceitua o art. 976, § 2º, do CPC.  É correto dizer, portanto, que o CPC prevê, ainda que excepcionalmente, o sistema de “causa modelo”.

Item 3.

De acordo com a doutrina, reclamação é uma ação de competência originária de tribunal que tem objetivo de preservar a sua competência e garantir a observância (i) da autoridade das decisões dos tribunais, (ii) de decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade, (iii) de enunciado de súmula vinculante e (iv) de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.

Cuida-se, portanto, de ação autônoma de impugnação de ato judicial, porquanto detentora de partes, causa de pedir e pedido.

Não obstante, o STF possui precedente – bastante criticado pela doutrina – no sentido de a reclamação detém natureza jurídica de “direito constitucional de petição”, pois, por meio dela, o “cidadão se dirige ao Poder Público com o objetivo de obter a defesa de direito e objetivando combater ilegalidade ou abuso de poder”. (ADI 2212, Relatora:  Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 02/10/2003, DJ 14-11-2003).

Quanto ao cabimento do instituto na situação exposta no enunciado da questão, tem-se que, não observado ou aplicado indevidamente o precedente obrigatório formado em IRDR pelos órgãos inferiores, caberá reclamação ao tribunal competente, consoante preceitua o art. 998, IV.

Por outro lado, caso a reclamação seja proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, deve-se esgotar as instâncias ordinárias antes de manejar o instituto em comento, nos termos do art. 988, § 5º.

Nesse contexto, vale destacar que, para o STF, “o esgotamento da instância ordinária, em tais casos, significa o percurso de todo o iter recursal cabível antes do acesso à Suprema Corte. Ou seja, se a decisão reclamada ainda comportar reforma por via de recurso a algum tribunal, inclusive a tribunal superior, não se permitirá acesso à Suprema Corte por via de reclamação”. (Rcl 24686 ED-AgR, Relator:  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 25/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-074 DIVULG 10-04-2017 PUBLIC 11-04-2017)

Por fim, vejamos o padrão adotado pela banca:

O CPC estabelece que a tese aplicada no IRDR deve ser observada em todos os processos pendentes e futuros que versem sobre idêntica questão de direito. Ainda segundo a lei processual, se não observada a tese adotada no incidente, caberá imediata reclamação para o tribunal que julgou o IRDR (vide CC, arts. 985 e 988, I).  Quanto ao julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, estabelece o CPC que seria inadmissível reclamação se não esgotadas as instâncias ordinárias (art. 988, § 5º, II). Portanto, caso seja possível ainda a interposição de algum recurso, como, por exemplo, agravo interno contra decisão do presidente ou vice-presidente de tribunal, não caberá reclamação”.

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Sobre o Autor

Pablo Freire Romão

Procurador do Município de Fortaleza (aprovado em 4º lugar antes da prova de títulos); Mestre em Direito e Gestão de Conflitos; Ex-Procurador do Estado do Maranhão (12º lugar). Membro da Associação Norte Nordeste de Professores de Processo (ANNEP). Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Autor do livro "Precedente judicial no novo Código de Processo Civil: tensão entre segurança e dinâmica do direito".