Após um assalto ocorrido com familiares no estacionamento de determinado shopping de Palmas, o Deputado Estadual João dos Anzóis propôs projeto de lei, perante à Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins, que obriga todos os estabelecimentos comerciais, que possuam estacionamento próprios, a utilizarem vigias privados advindos de seu corpo de empregados, a fim de garantir maior segurança aos consumidores.
O referido projeto ainda previu que os estacionamentos privados não pertencentes aos estabelecimentos comerciais, além da utilização dos vigias, também cobrassem de seus usuários o valor da hora de forma proporcional ao tempo em que o consumidor deixou seu veículo no local.
Por fim, aproveitando o ensejo e com fim de aumentar a arrecadação do Estado, o citado projeto também dispôs que, em relação aos estacionamentos públicos, fosse cobrada uma taxa dos usuários por sua utilização, que não poderia ser superior à média cobrada pelos estacionamentos privados.
Ocorre que o atual Governador, em virtude das pressões de setores econômicos do Município de Palmas, que não estavam satisfeitos com a referida lei, sancionada por seu antecessor, encaminha consulta à Procuradoria-Geral do Estado do Tocantins, indagando acerca do instrumento cabível para retirar do ordenamento jurídico a legislação refutada, bem como os fundamentos jurídicos para tanto.
Na qualidade de Procurador do Estado do Tocantins, responda a referida consulta, abordando necessariamente:
a) a presença ou não de vícios de constitucionalidade na referida lei;
b) a diferença existente entre a taxa e a tarifa;
c) a natureza jurídica do imóvel utilizado como estacionamento público.
Comentários:
A questão traz um caso hipotético, exigindo que o aluno aponte qual a medida pertinente para a retirada da lei do ordenamento jurídico em face dos vícios a serem identificados.
A fim de que os itens sejam abordados em conformidade com a ordem indicada no enunciado, cabe salientar, inicialmente, que a medida cabível no presente caso é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), na qual se realiza o controle de constitucionalidade de ato normativo em tese, abstrato, marcado pela generalidade, impessoalidade e abstração. Nesta ação, se busca investigar se o ato normativo é inconstitucional ou não, manifestando-se o Poder Judiciário de forma específica sobre o aludido objeto. Portanto, a análise da constitucionalidade é realizada e decidida de forma principal, ao contrário do que ocorre na via de exceção ou defesa.
Do mesmo modo, é relevante mencionar que o art. 103 da CF estabelece a legitimidade do Governador do Estado para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade (inciso V).
Ademais, a questão exige que o aluno aborde as espécies de vícios presentes na norma em análise.
Em breve síntese, a Assembleia Legislativa do Estado de Tocantins editou lei prevendo três regras, dentre as quais duas serão analisadas sob à luz da jurisprudência do STF:
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1) A lei estadual impôs a prestação do serviço de segurança em estacionamento a toda pessoa física ou jurídica que disponibilize local para estacionamento, utilizando empregados próprios.
Aspecto formal: O STF, ao analisar caso semelhante (ADI 451), entendeu que a lei é maculada de vício formal orgânico, quer por invadir a competência privativa da União para legislar sobre direito civil (art. 22, I, da CF) ao tratar sobre regras atinentes a estabelecimento privado, quer por legislar sobre direito do trabalho (art. 22, I, da CF), impondo uma espécie de relação empregatícia e afastando a possibilidade de terceirização.
Aspecto material: A previsão ofende o direito à livre iniciativa, previsto no arts. 170, parágrafo único, e 174 da Carta Magna, criando responsabilidade ao empresário, como o dever de cercar e de contratar vigilância para o estacionamento, impondo ao comerciante ou à empresa privada ônus irrazoável.
Confira-se, a respeito, a ementa do julgado:
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. ADI. LEI ESTADUAL QUE ESTABELECE MEDIDAS DE SEGURANÇA EM ESTACIONAMENTOS. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A Lei Estadual 1.748/1990, que impõe medidas de segurança em estacionamento, é inconstitucional, quer por invadir a competência privativa da União para legislar sobre direito civil (CF/88, art. 22, I), conforme jurisprudência consolidada nesta Corte, quer por violar o princípio da livre iniciativa (CF/88, art. 170, par. único, e art. 174), conforme entendimento pessoal deste relator, expresso quando do julgamento da ADI 4862, rel. Min. Gilmar Mendes. 2. O artigo 1º da lei impugnada, ao obrigar tais empresas à manutenção de empregados próprios nas entradas e saídas dos estacionamentos, restringe a contratação de terceirizados, usurpando, ainda, a competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho (CF/88, art. 22, I). 3. Ação julgada procedente. 4. Tese: 1. “Lei estadual que impõe a prestação de serviço segurança em estacionamento a toda pessoa física ou jurídica que disponibilize local para estacionamento é inconstitucional, quer por violação à competência privativa da União para legislar sobre direito civil, quer por violar a livre iniciativa.” 2. “Lei estadual que impõe a utilização de empregados próprios na entrada e saída de estacionamento, impedindo a terceirização, viola a competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho.” (ADI 451, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-045 DIVULG 08-03- 2018 PUBLIC 09-03- 2018)
2) A lei prevê a cobrança de forma proporcional ao tempo utilizado pelo usuário no estacionamento.
Aspecto formal: Do mesmo modo, em caso análogo (ADI 4862), a Suprema Corte decidiu que as regras sobre estacionamento de veículos inserem-se no campo do Direito Civil e a competência para legislar sobre este assunto é da União, nos termos do art. 22, I, da CF/88. Verifica-se, dessa forma, a existência de vício formal orgânico. Nesse sentido: Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli.
Aspecto material: Os Ministros Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Rosa Weber, traçaram a existência de vício material, defendendo que norma nesse sentido não trata sobre Direito Civil, mas sim sobre Direito do Consumidor, assunto que é de competência concorrente entre União e Estados/DF (art. 24, VIII, da CF/88). Logo, em tese, o Estado-membro poderia legislar sobre o tema. Ocorre que a referida lei estabelece um controle de preços, o que claramente viola o princípio constitucional da livre iniciativa (art. 170).
Nesse sentido, cite-se:
Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei 16.785, de 11 de janeiro de 2011, do Estado do Paraná. 3. Cobrança proporcional ao tempo efetivamente utilizado por serviços de estacionamento privado. Inconstitucionalidade configurada. 4. Ação direta julgada procedente. (ADI 4862, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-023 DIVULG 06-02- 2017 PUBLIC 07-02- 2017). (Grifos acrescidos)
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Quanto ao item b do enunciado, cumpre mencionar que a taxa é um tributo vinculado a uma contraprestação específica e divisível do Poder Público. É um tributo contraprestativo, aferido mediante a máxima: “O contribuinte vê o serviço do Estado e o Estado vê o serviço que presta ao contribuinte.”
Nos termos do art. 145, II, da CF/88 e art. 77 do CTN, as taxas têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
A taxa, portanto, é espécie tributária, decorrente do princípio da legalidade, segundo o qual não há tributação sem previsão legal. Sua cobrança é vinculada, nos termos da legislação respectiva. Os serviços prestados são feitos em regime de exclusividade e cogência, como a emissão de passaporte ou a coleta de lixo.
O preço público, por sua vez, só compartilha com a taxa a nota da contraprestatividade, pois é cobrado com feição contratual e em regime particular, infralegal. Aqui a utilização do serviço é facultativa, como ocorre com os transportes públicos (sem cogência/exclusividade).
Diante dessa última diferença, percebe-se que o serviço prestado pelo Estado (estacionamento público) não pode ser remunerado mediante a cobrança de taxa, uma vez que a sua utilização é de natureza facultativa, sendo adequada, portanto, a instituição e cobrança de tarifa neste caso.
Sintetizando o quanto aqui exposto, a Súmula 545 do STF estabelece que “preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu”.
Por fim, em relação ao item c, é possível afirmar que o bem utilizado como estacionamento público é um bem de uso especial, visto que ele está afetado a um serviço administrativo.
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