1. O Tribunal de Contas do Estado do Maranhão (TCE-MA), no âmbito da análise de um processo de prestação de contas, constata a existência de vícios insanáveis praticados no procedimento licitatório de um contrato de concessão de serviços públicos, assim como na prorrogação ilegal do contrato.
Ainda no âmbito da prestação de contas, o TCE-MA constatou a existência de acordo extrajudicial firmado entre a empresa e o Estado do Maranhão, no qual a administração se comprometeu a pagar uma indenização de 800.000,00 R$ (oitocentos mil reais) em razão de prejuízos obtidos durante a execução do contrato de concessão.
Diante a situação hipotética apresentada responda os seguintes questionamentos:
a) Diante da constatação das irregularidades no contrato de concessão, pode o TCE-MA determinar a sua nulidade? Qual o termo inicial da nulidade do ato administrativo de prorrogação ilegal do contrato de concessão?
b) Diante da constatação de irregularidades no acordo extrajudicial celebrado, pode o TCE-MA determinar a sua nulidade?
c) Uma vez descumpridas as determinações do TCE-MA no âmbito do processo de prestação de contas, pode a Corte de Contas determinar multa ou ressarcimento ao erário contra a concessionária, mesmo sendo pessoa jurídica de direito privado? O Ministério Público do Estado do Maranhão (MPE) ou o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (MPC) terão legitimidade para eventual execução? O próprio TCE-MA pode executar a decisão?
Comentários:
As atribuições do controle externo, em função e sua relevância e complexidade, são temas constantemente presentes nas discussões jurisprudenciais, bem como nas provas de concurso público.
Os Tribunais de Contas têm como função constitucional realizar a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos federativos e federados da Administração Pública direta e indireta (art. 70, da CF/88).
Em relação às competências das Cortes de Contas Estaduais, o STF asseverou que a “Constituição é clara ao determinar, em seu art. 75, que as normas constitucionais que conformam o modelo federal de organização do Tribunal de Contas da União são de observância compulsória pelas Constituições dos Estados-membros.” (ADI 3.715, rel. min. Gilmar Mendes, j. 21-8- 2014, P, DJE de 30-10- 2014.) Dessa forma, o STF tem entendido que, no contexto do art. 75 da Constituição Federal, dentre as normas constitucionais de observância obrigatória pelos Estados-membros, incluem-se as atinentes às competências institucionais do Tribunal de Contas da União.
Desse modo, as atribuições das Cortes de Contas podem ser classificadas segundo sua atuação, da seguinte forma¹ :
I. Função Fiscalizadora - aquela que compreende a realização das auditorias e inspeções, que podem ser por iniciativa própria, por requerimento do Poder Legislativo, para apuração de denúncias em órgãos e entidades federais ou em programas do governo, para apreciação da legalidade de atos de concessão de aposentadorias, reformas, pensões, admissão de pessoal no serviço público federal, fiscalização de renúncia de receitas, além de atos e contratos administrativos gerais. A fiscalização atua sobre alocação de recursos humanos e materiais, cujo objetivo é avaliar o gerenciamento dos recursos públicos, que consiste em apreender dados e informações, analisando-as a fim de produzir um diagnóstico da situação, cujo objetivo é a formação de um juízo de valor sobre a atividade analisada. Tal inspeção ou exame surge por iniciativa do próprio órgão fiscalizador ou em decorrência de uma solicitação do legislativo.
II. Função Consultiva - exercida por meio da elaboração de pareceres técnicos prévios e específicos, sobre prestações anuais de contas emitidas pelos chefes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como, pelo chefe do Ministério Público, a fim de subsidiar o julgamento pelo Congresso Nacional, também engloba o exame, “em tese”, das consultas realizadas pelas autoridades competentes para formulá-las, sobre dúvidas quanto à aplicação de dispositivos legais e regulamentares a respeito das matérias da alçada do Tribunal.
III. Função Informativa - é aquela exercida quando da prestação de informações reclamadas pelo Legislativo sobre a fiscalização do Tribunal, ou ainda sobre resultados de inspeções e auditorias, compreende ainda a representação ao poder competente sobre irregularidades ou apuração de abusos, assim como, o encaminhamento de relatório das atividades do Tribunal ao Poder Legislativo.
IV. Função Judicante - esta função ocorre quando do Tribunal de Contas julga as contas dos administradores públicos e outros responsáveis por dinheiro, bens, valores públicos da administração direta e indireta, incluindo das fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público, assim como as contas dos que causaram prejuízos, extravios ou quaisquer outras irregularidades que venham a prejudicar o erário nacional. Através dos processos são organizados no Tribunal, as prestações de contas, fiscalizações e demais assuntos submetidos à deliberação do Tribunal. Portanto, cabe aos ministros ou auditores do Tribunal relatar esses processos, votar e submetê-los aos pares proposta de acórdão, logo após a análise e instrução preliminar realizada por órgãos técnicos da Secretaria do Tribunal. A esta função ficam os Tribunais de Contas autorizados a realizar o julgamento das contas anuais dos administradores e responsáveis pelo erário na Administração Pública.
V. Função Sancionadora - é expressa através da aplicação aos responsáveis das sanções previstas em suas respectivas leis orgânicas, caso seja apurada a ilegalidade de despesas ou irregularidade das contas. Tal função básica do Tribunal está prevista na CF/88, em seu artigo 71, incisos VIII a XI, que estabelece a aplicação de penalidades aos responsáveis por despesas ilegais ou por irregularidade das contas. Tais decisões sancionatórias dos Tribunais de Contas têm eficácia de título executivo, embora os Tribunais não tenham competência para executá-las, pois, caberá a execução às entidades públicas beneficiárias.
OBS.: Vale lembrar que, as penalidades não eximem o responsável das devidas aplicações das sanções penais e administrativas por autoridades competentes e da inelegibilidade pela Justiça Eleitoral, uma vez que, o TCU envia periodicamente ao Ministério Público Eleitoral uma lista de nomes de responsáveis por contas julgadas irregulares pelo TCU referente ao período de cinco anos anteriores, em resposta à Lei Complementar nº 64/1990, que versa sobre declaração de inelegibilidade.
OBS.: Competência para julgar contas de prefeito e Lei de Ficha Limpa:
Em recentíssima decisão, o STF analisou a seguinte questão, brilhantemente esquematizado por Marcio André Lopes Cavalcante (Dizer o Direito):
Qual é o "órgão competente" para julgar as contas do Prefeito? Em se tratando de um Prefeito, qual será o "órgão competente" de que trata o art. 1º, I, "g", da LC 64/90?
Havia duas correntes sobre o tema:
1ª) Tribunais de Contas
2ª) Câmara dos Vereadores
Se o Tribunal de Contas rejeitasse as contas do Prefeito, ele já se tornaria inelegível, nos termos do art. 1º, I, "g", da LC 64/90.
Era a posição defendida pela maioria dos Tribunais de Contas e do Ministério Público eleitoral.
Assim, quando o TCE rejeitava as contas de um Prefeito, a Justiça Eleitoral, com base nesta decisão, negava registro de candidatura a ele.
A competência para julgar as contas do Prefeito é da Câmara Municipal.
O papel do Tribunal de Contas é apenas o de auxiliar o Poder Legislativo municipal. Ele emite um parecer prévio sugerindo a aprovação ou rejeição das contas do Prefeito. Após, este parecer é submetido à Câmara, que poderá afastar as conclusões do Tribunal de Contas, desde que pelo voto de, no mínimo, 2/3 dos Vereadores (art. 31, § 2º da CF/88).
Logo, somente após a decisão da Câmara Municipal rejeitando as contas do Prefeito é que a Justiça Eleitoral poderá considerá-lo inelegível.
Qual das correntes foi acolhida pelo STF?
A segunda. O STF, ao apreciar o tema, fixou a seguinte tese em sede de repercussão geral:
Para os fins do artigo 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64/1990, a apreciação das contas de Prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos vereadores.
STF. Plenário. RE 848826/DF, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 10/8/2016 (repercussão geral) (Info 834).
VI. Função Corretiva - Caso ocorra ilegalidade ou irregularidade nos atos de gestão de quaisquer órgãos ou entidade pública, caberá ao Tribunal de Contas fixar o prazo para cumprimento da lei. Quando não atendido o ato administrativo, o Tribunal deverá determinar a sustação do ato impugnado, assim o Tribunal de Contas exerce sua função corretiva.
VII. Função Normativa - é aquela decorrente do poder regulamentar de competência do Tribunal atribuído pela Lei Orgânica, que lhe autoriza a expedição de instruções e atos normativos, de cumprimento obrigatório, sob pena de responsabilidade do infrator, sobre matéria de sua competência e sobre a organização dos processos que lhe serão submetidos.
VIII. Função de Ouvidoria - incumbe-se da responsabilidade do Tribunal de Contas em receber denúncias e representações relativas a irregularidade ou ilegalidade que lhe sejam comunicadas pelos responsáveis pelo controle interno, por autoridades, cidadãos, partidos políticos, associações e sindicatos. Tal função está estritamente ligada à cidadania e defesa dos interesses coletivos e difusos, sendo um meio muito eficaz de controle e colaboração entre partes interessadas, nestes termos, a fim de assegurar a averiguação de denúncias, nos termos do artigo 74, § 2º da Constituição Federal.
Uma vez feitas essas considerações introdutórias, vamos aos pontos da questão:
LETRA A:
O art. 71 da CF/88, como visto, fornece o núcleo das prerrogativas dos Tribunais de Contas. O dispositivo em comento faz uma distinção de tratamento entre atos e contratos administrativos, confira:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
(...)
IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;
(...)
§ 1º - No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.”
Pelo exposto, em se trataNdo de contrato administrativo, não há óbice a que o Tribunal de Contas, valendo-se da atribuição conferida pelo artigo 71, IX, da Constituição, assine prazo para que órgão público adote as providências necessárias para que contrato declarado inexistente deixe de produzir efeitos. No entanto, não cabe à Corte de Contas determinar a nulidade do contrato.
Sobre o tema, o STF já se manifestou no seguinte sentido:
“O Tribunal de Contas, embora não tenha poder para anular ou sustar contratos administrativos, tem competência, conforme o art. 71, IX, para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação de que se originou” (MS 23.550, redator do acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento em 4/4/02, Plenário, DJ de 31/10/01.) e (STF. MS 26.000, Min. Rel. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJ de 16.10.2012)
Portanto, a participação dos Tribunais de Contas no processo de anulação, resolução ou de resilição de contratos administrativos, limitar-se- ia a determinar essa conduta à autoridade.
Assim, na linha da jurisprudência do STF, das normas constitucionais e legais, não pode o TCE-MA determinar a nulidade do contrato de concessão em tela, mas apenas assinar prazo para garantir o exato cumprimento da lei.
Obs.: Constituição Estadual pode determinar que, não somente Contratos, mas também Licitações e eventuais casos de Dispensa e Inexigibilidade sejam sustados pela Assembleia Legislativa, e não pela Corte de Contas?
Sobre o tema, o STF decidiu que apenas os contratos estão submetidos a necessidade de sustação pelo Poder Legislativo, não podendo a Constituição Estadual retirar do Tribunal de Contas do Estado a competência para sustar Licitações em curso e suas eventuais dispensas e inexigibilidades, confira:
“Constituição do Estado do Tocantins. Emenda Constitucional 16/2006, que (...) atribuiu à Assembleia Legislativa a competência para sustar não apenas os contratos, mas também as licitações e eventuais casos de dispensa e inexigibilidade de licitação (...). A CF é clara ao determinar, em seu art. 75, que as normas constitucionais que conformam o modelo federal de organização do Tribunal de Contas da União são de observância compulsória pelas Constituições dos Estados-membros. (...) A CF dispõe que apenas no caso de contratos o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional (art. 71, § 1º, CF/88).” Ação julgada procedente. (ADI 3.715, rel. min. Gilmar Mendes, j. 21-8-2014, P, DJE de 30-10-2014.)
Quanto ao termo inicial do prazo prescricional para anular ato a prorrogação de contrato de concessão de serviço público, o entendimento fixado pelo STJ é no sentido de que “o ato administrativo de prorrogação do contrato de concessão estende seus efeitos no tempo, ou seja, suas consequências e resultados sucedem por toda sua duração de maneira que seu término deve ser estabelecido como o marco inicial da prescrição.”(REsp 1.114.094/RS, Rel. Min. CASTRO MEI, Segunda Turma, DJe 18/9/09).
Ou seja, de acordo com posicionamento do STJ, a prorrogação de contrato de concessão de serviço público, sem a realização de prévia licitação, macula o negócio jurídico com nulidade absoluta, de maneira que o vício perdura até o encerramento do pacto, quando se inicia o prazo prescricional da pretensão que visa anulá-lo.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. 1. “O termo inicial da prescrição da nulidade do ato administrativo de prorrogação ilegal do contrato de concessão se constitui não encerramento do tempo contratual” (EREsp 1.079.126/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, DJe 6/5/11). 2. Agravo Regimental não provido. (STJ - AgRg no AREsp: 185502 RS 2012/0112640-1, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 22/04/2014, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/06/2014)
Continua no próximo post...
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