PESQUISE DIREITO 6
ÁREAS DE INTERESSE: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO PROCESSO CIVIL. DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO PENAL.
Passo 1: Confira o enunciado!
Maurício, promotor de justiça exigiu vantagem econômica para celebrar acordo de delação premiada com chefe de organização criminosa especializada em fraude a licitações. Em face dessa situação, responda de forma fundamentada:
a) O membro do MP cometeu ilícito de que natureza? Quais as penas previstas para hipótese?
b) Ele, se condenado na esfera penal, pode vir a perder o cargo em razão da condenação criminal?
c) Se processado por improbidade administrativa, a pena de perda do cargo é automática?
d) haveria diferença de tratamento, se fosse um membro do MPF?
Passo 2: Confira o espelho elaborado pelo professor Jean e assista o vídeo comentado no IGTV do Themas.
a) O membro do MP cometeu ilícito de que natureza? Quais as penas previstas para hipótese?
Sem dúvida, Maurício praticou ato ilícito que repercute nas três esferas: cível, penal e administrativa.
Pelo mesmo fato, o agente público pode perfeitamente ser responsabilizado em três esferas, sem que isso configura bis in idem, vedado no ordenamento jurídico brasileiro. Como cada sanção alcança uma dimensão específica da responsabilidade, nada impede – a depender do caso, pode ser revelar inclusive necessário – que o agente responda simultaneamente no campo penal, pela infração penal (crime ou contravenção) cometida; na esfera cível, pelo ato de improbidade que lhe seja correspondente; e, no campo administrativo, pela infração cometida. No caso hipotético proposto, a conduta do promotor pode configurar o crime de concussão (art. 316 do Código Penal), que tem pena de reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Configura também uma improbidade administrativa que gera enriquecimento ilícito (art. 9º, I da Lei de nº 8.429/1992), podendo resultar no ressarcimento perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.
Na esfera administrativa, configura também uma infração (art. 44, I da Lei de nº 8.625/93, Lei Orgânica Nacional do MP). Quanto à pena, dependerá da legislação específica do respectivo Ministério Público.
b) Ele, se condenado na esfera penal, pode vir a perder o cargo em razão da condenação criminal?
A perda do cargo é um dos efeitos secundários da condenação penal. Sua natureza secundária impõe a existência de fundamentação específica que embase o rompimento do vínculo entre o agente o serviço público. Pela previsão legal, ela tem sido utilizada para as hipóteses em que o crime foi cometido com abuso de puder ou violação de dever para com a Administração Pública e a pena privativa de liberdade seja igual ou superior a um ano, ou, nos demais casos, quando a pena for superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.Qualquer que seja a hipótese, claro, a perda pressupõe o trânsito em julgado da decisão.
Há algumas legislações específicas que estabelecem, além da perda do cargo, um período de incompatibilidade para o exercício de qualquer cargo, emprego ou função pública, isto é, além da perda, ainda que seja aprovado em novo concurso público, não será possível novo ingresso. São exemplos a previsão do art. 1º, §5º da Lei de Tortura (Lei de nº 9.455/1997), que veda o retorno pelo dobro da pena aplicada; e a previsão da Lei de Organização Criminosa (§6º do art. 2º da Lei de nº 12.850/2013) que proíbe o retorno à função ou cargo público nos 8 anos subsequentes ao cumprimento da pena.
Em se tratando dos membros do MP, o regramento acima aludido sofre temperamentos, em razão da forma especial como ocorre a perda da vitaliciedade.
De fato, a vitaliciedade é uma das garantias asseguradas aos membros do MP. Prevista no art. 128, § 5º, I, “a”, da CF/88 e regulamentada pelo art. 38, § 1º da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do MP) e pelo art. 57, XX, da LC 75/93 (Estatuto do MPU), essa garantia significa que será possível decretar a perda do cargo do membro do Ministério Público já vitalício se for proferida sentença judicial transitada em julgado. Ocorre que as leis específicas que regulamentam o dispositivo constitucional preveem expressamente a necessidade de ajuizamento de ação civil específica, ajuizada pelo Procurador Geral (de Justiça ou da República) para que a perda do cargo se efetive (art. 38, § 1º, I, e § 2º da Lei n.º 8.625/93, Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e inciso XX do art. 57 da LC 75/93.
Em termos práticos, essas previsões estabelecem que mesmo que haja a condenação criminal com trânsito em julgado do membro do MP, será necessário ainda que o Procurador Geral, posteriormente, ajuíze a ação civil específica no Tribunal respectivo para que só então se concretize a perda. É essa a orientação que tem sido adotada pelos nossos Tribunais Superiores.
Segundo o art. 38, § 1º, I, e § 2º da Lei n.º 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), a perda do cargo de membro do Ministério Público somente pode ocorrer após o trânsito em julgado de ação civil proposta para esse fim. Vale ressaltar, ainda, que essa ação somente pode ser ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça, quando previamente autorizado pelo Colégio de Procuradores, o que constitui condição de procedibilidade, juntamente com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Assim, para que possa ocorrer a perda do cargo do membro do Ministério Público, são necessárias duas decisões. A primeira, condenando-o pela prática do crime e a segunda, em ação promovida pelo Procurador-Geral de Justiça, reconhecendo que o referido crime é incompatível com o exercício de suas funções, ou seja, deve existir condenação criminal transitada em julgado, para que possa ser promovida a ação civil para a decretação da perda do cargo (art. 38, §2º, da Lei nº 8.625/93). O art. 92 do Código Penal não se aplica aos membros do Ministério Público condenados criminalmente porque o art. 38 da Lei nº 8.625/93 disciplina o tema, sendo norma especial (específica), razão pela qual deve esta última prevalecer em relação à norma geral (Código Penal).
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1409692/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 23/05/2017.
c) Se processado por improbidade administrativa, a pena de perda do cargo é automática?
Em relação à improbidade administrativa configurada, existem algumas especificidades bastante interessantes. A primeira delas é a de que a jurisprudência do STF e nem a do STJ não têm admitido o foro por prerrogativa de função nas hipóteses da ação civil público por improbidade administrativa. A razão, em síntese, é a de que o foro está restrito às questões penais. Seguem alguns julgados exemplificativos:
A ação civil pública por ato de improbidade administrativa que tenha por réu parlamentar deve ser julgada em Primeira Instância. 2. Declaração de inconstitucionalidade do art. 84, §2º, do CPP no julgamento da ADI 2797.
[Pet 3.067 AgR, rel. min. Roberto Barroso, P, j. 19-11-2014, DJE 32 de 19-2-2015.]
O relator citou precedentes do STJ no sentido de que a Lei Orgânica do Ministério Público, em seu artigo 38, disciplina a ação civil própria para a perda do cargo de membro vitalício do MP – ação com foro especial, que não se confunde com a ação civil de improbidade, regida pela Lei 8.429/1992, que não prevê essa prerrogativa.
Assim, caso um membro do MP identifique um ato que possa ser enquadrado como improbidade administrativa por seu colega, se tiver atribuição para tanto, pode promover contra ação civil público por ato de improbidade administrativa, a tramitar na justiça de primeiro grau. Essa ação também por ser promovida pela pessoa jurídica lesada (art. 17 da Lei de nº 8.429/1992).
Uma outra especificidade da matéria, que é o objeto da pergunta proposta, é exatamente a previsão constitucional (art. 37, §4º da CF) e legal (art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa) de que da condenação poderá resultar na perda do cargo. Nem toda condenação por improbidade implicará a aplicação da sanção de perda do cargo, o que dependerá de fundamentação do magistrado que proferir a decisão.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores, na esteira da inexistência da prerrogativa de foro, tem fixado o entendimento de que a ação promovida perante a justiça de primeiro grau contra altas autoridades da República não pode resultar na perda do cargo, o que depende, pelo próprio regramento constitucional, de procedimento específico, a exemplo de deputados e senadores.
Já em relação aos membros do MP, pelo menos até este momento, tem prevalecido no STJ o entendimento de que a sanção de perda do cargo por ato de improbidade administrativa resulta de previsão legal específica que não se confunde com o regramento da ação cível posterior à ação penal já mencionada. Desse modo, há dois regramentos para perda do cargo do membro do MP:
a) ação penal: trânsito em julgado ação condenatório e posterior ação cível promovida pelo Procurador Geral, autorizado pelo seu respectivo Conselho;
b) ação por improbidade: perda diretamente da sentença cível por ato de improbidade administrativa transitada em julgado.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.191.613 - MG (2010/0076423-3)EMENTAADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTROVÉRSIA A RESPEITO DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PENA DE PERDA DE CARGO A MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE.1. Recurso especial no qual se discute a possibilidade de haver aplicação da pena de perda do cargo a membro do Ministério Público, em ação civil pública por ato de improbidade administrativa.2. Constatado que a Corte de origem empregou fundamentação adequada e suficiente para dirimir a controvérsia, é de se afastar a alegada violação do art. 535 do CPC.3. Nos termos do art. 37, § 4º, da Constituição Federal e da Lei n. 8.429/1992, qualquer agente público, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios pode ser punido com a pena de perda do cargo que ocupa, pela prática de atos de improbidade administrativa.4. A previsão legal de que o Procurador-Geral de Justiça ou o Procurador-Geral da República ajuizará ação civil específica para a aplicação da pena de demissão ou perda do cargo, nos casos elencados na lei, dentre os quais destacam-se a prática de crimes e os atos de improbidade, não obsta que o legislador ordinário, cumprindo o mandamento do § 4º do art. 37 da Constituição Federal, estabeleça a pena de perda do cargo a membro do Ministério Público quando comprovada a prática de ato ímprobo, em ação civil pública específica para sua constatação.5. Na legislação aplicável aos membros do Ministério Público, asseguram-se à instituição as providências cabíveis para sancionar o agente comprovadamente ímprobo. Na Lei n. 8.429/1992, o legislador amplia a legitimação ativa, ao prever que a ação será proposta "pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada" (art. 17). Não há competência exclusiva do Procurador-Geral.6. Assim, a demissão por ato de improbidade administrativa de membro do Ministério Público (art. 240, inciso V, alínea b, da LC n. 75/1993) não só pode ser determinada pelo trânsito em julgado de sentença condenatória em ação específica, cujo ajuizamento foi provocado por procedimento administrativo e é da competência do Procurador-Geral, como também pode ocorrer em decorrência do trânsito em julgado da sentença condenatória proferida em ação civil pública prevista na Lei n. 8.429/1992. Inteligência do art. 12 da Lei n. 8.429/1992.7. Recurso especial provido para declarar a possibilidade de, em ação civil pública por ato de improbidade administrativa, ser aplicada a pena de perda do cargo a membro do Ministério Público, caso a pena seja adequada à sua punição.
d) Haveria diferença de tratamento, se fosse um membro do MPF?
Conforme esclarecido na resposta à questão “b”, o regramento é o mesmo.