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PESQUISE DIREITO - Rodada 5

Julgamento extra petita, acesso à justiça e requerimento administrativo.

ÁREAS DE INTERESSE: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. DIREITO ADMINISTRATIVO.

Passo 1: Confira o enunciado!

Pedro requereu administrativamente junto ao INSS aposentadoria por tempo de contribuição. O pleito foi negado por faltar ao interessado 9 meses de contribuição. Acerca desses fatos, pesquise e responda:

a) Pedro poderia ter ingressado com ação judicial sem ter protocolizado o requerimento administrativo? Qual a posição do STF a respeito?

b) Considere que já houve resposta negativa, eventual ação judicial fica condicionada à interposição de recurso na esfera administrativa?

c) Considere agora que Pedro tenha tido acesso, após a negativa do INSS, a planilhas de pagamento contendo seu nome proveniente da empresa X. Considere ainda que ele tenha ingressado com ação judicial com base neste documento. Ocorre que no curso da ação, o vínculo empregatício não restou comprovado. Pedro, porém, por ter continuado trabalhando, no curso da ação, implementou as condições para fazer jus à pretendida aposentadoria. Neste caso, a concessão em sede de sentença do benefício constitui julgamento extra petita?

Passo 2: Confira o espelho elaborado pelo professor Jean e assista o vídeo comentado no IGTV do Themas

  • Pedro poderia ter ingressado com ação judicial sem ter protocolizado o requerimento administrativo? Qual a posição do STF a respeito?
  • Considere que já houve resposta negativa, eventual ação judicial fica condicionada à interposição de recurso na esfera administrativa?

Qual é a regra?

A regra é que não é necessário o requerimento administrativo, para que se recorra ao Judiciário. Exatamente por não se configurar no Brasil o modelo de contencioso administrativo, típico do regime jurídico francês, qualquer lesão ou ameaça de lesão pode perfeitamente ser levada à apreciação do Poder Judiciário, conforme previsão do art. 5º XXXV da CF. 

Isso não quer dizer, porém, que não existam condicionantes para o exercício do direito fundamental ao acesso à jurisdição. 

Assim, a própria Constituição Federal previu em seu art. 203 que somente após o esgotamento das instâncias administrativas é que seria possível a discussão relativa às controvérsias travadas no seio da justiça desportiva.

Além disso, a teoria do processo estabelece que o ingresso com ações judiciais depende da existência de algumas condições. Uma delas, amplamente aceita, mesma vigência do atual CPC, é a que se expressa pela fórmula “interesse de agir”. Uma de suas dimensões consiste exatamente no aspecto “necessidade” da medida judicial, o que somente exsurge com a existência de alguma resistência em relação à pretensão do interessado (CARNELUTTI). 

Há previsão de condições da ação no atual CPC?

Neste sentido, o art. 17 do CPC estabelece que postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade e que constitui causa do indeferimento da inicial a ausência de interesse processual (art. 330 do CPC).  

Parece complicado, nos termos acima colocados, mas é bem simples. Um exemplo ajuda a compreender. Retornando à proposta trazida pela questão formulada. Pedro pretende um benefício previdenciário. Não é adequado se falar em ajuizamento da ação se o benefício previdenciário sequer foi requerido. 

Por que não? 

Porque, se assim se tornar a regra, é o Judiciário que se tornará a porta de entrada da demanda previdenciária, invertendo a própria lógica que informa a atuação no âmbito judicial: ultima ratio, isto é, recorre-se ao Judiciário quando todas as demais formas alternativas existentes de demandas e de seu atendimento tenham sito esgotadas.

O STF já teve oportunidade de se manifestar quanto a isso em relação às lides de natureza previdenciária e fixou teses muito importantes que passo a expor a seguir (RE 631240 / MG). 

Quais teses foram fixadas?

A regra é a de que o ajuizamento da ação judicial em matéria previdenciária depende do protocolo de recurso administrativo que formule perante o INSS a pretensão do requerente. 

É necessário o esgotamento da via administrativa, ou seja, o ingresso com recurso administrativa até a última instância? Entendeu o STF que não, o que não significa dizer que o mero transcurso do prazo legal para resposta da autarquia previdenciária implique negativa. Assim, o mero decurso desse prazo, sem que configure atraso inaceitável e injustificável, não configurará o interesse de agir pela negativa tácita.

O prévio ingresso na via administrativa, porém, tem exceções. 

A primeira delas ocorre quando a instituição previdenciária já possui manifestação expressa contrária à pretensão do requerente. Essa manifestação tanto pode se traduzir pela reiteração de decisões administrativas denegatórias quanto pela existência de normas administrativas internas contrárias ao pleito a ser formulado. Em tais situações, condicionar a prévia manifestação da via administrativa seria impor ao jurisdicionado pura perda de tempo.

Justiça Itinerante

Além disso, não se exige o ingresso na via administrativa também em relação à justiça federal itinerante. Aqui, as razões são óbvias, já que é da natureza das ações itinerantes levar a Justiça aos rincões do país, onde, seguramente, nem a repartição previdenciária chegou.

Para concessão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido a lógica se inverte

O regramento acima estabelecido, porém, somente é válido quando se tratar de concessão inicial da pretensão do benefício previdenciário, porquanto, em se tratando de concessão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido a lógica se inverte. Tem sentido a inversão. Vejamos.

A instituição previdenciária tem o dever de ofertar o melhor benefício possível. Ora, se levada a pretensão ao seu conhecimento e ela concedeu um benefício que não é o melhor a que fazia jus o requerente, resta configurado o interesse de agir, já que o INSS violou um dever legal. O INSS já conheceu da matéria e sobre ela se manifestou. O pedido de concessão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido pode ser protocolizado diretamente no Judiciário.

Essa regra, porém, possui uma exceção. Trata-se daquelas hipóteses em que o segurado não levou ainda ao conhecimento do INSS alguma matéria fática que seja indispensável ao adequado deslinde da demanda. Nesses casos, será necessário o ingresso prévio na via administrativa para se configurar o interesse de agir. 

E quanto às ações já ajuizadas?

Em relação às ações já ajuizadas, até 03 de setembro de 2014, data do julgamento do RE, o STF estabeleceu uma regra de transição de modo a configurar concretamente o interesse de agir em relação às ações ajuizadas. A contestação já atravessada aos autos pelo INSS configura o interesse de agir em favor do requerente da ação. Quanto às ações ainda não contestadas, adotou-se o expediente de suspensão da tramitação da ação (sobrestamento), seguido de intimação do autor para que, no prazo de trinta dias, formule o respectivo requerimento junto ao INSS. Este, por sua vez, deverá se manifestar em 90 dias. “Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir”.

c) Considere agora que Pedro tenha tido acesso, após a negativa do INSS, a planilhas de pagamento contendo seu nome proveniente da empresa X. Considere ainda que ele tenha ingressado com ação judicial com base neste documento. Ocorre que no curso da ação, o vínculo empregatício não restou comprovado. Pedro, porém, por ter continuado trabalhando, no curso da ação, implementou as condições para fazer jus à pretendida aposentadoria. Neste caso, a concessão em sede de sentença do benefício constitui julgamento extra petita?

Reafirmação da DER

A questão, bastante interessante e de grande efeito prático, trata da confirmação ou reafirmação da DER. Ao realizar o requerimento administrativo ou mesmo o ajuizamento da ação judicial, deve o segurado juntar os comprovantes que asseguram o preenchimento dos requisitos para obtenção do benefício pretendido. 

Na prática...

Ocorre que na prática, como alguma frequência, no momento da apresentação do pedido na via administrativa, o requerente ainda não preencheu todos os requisitos, seja porque um documento está faltando seja porque um documento apresentado se revelou imprestável para fins probatórios. Entretanto, enquanto o INSS realizava a apreciação administrativa do pedido, o segurado permaneceu trabalhando e preencheu, nesse intervalo, os requisitos que ele afirmava ter preenchido quando deu entrada no pedido. Diante desse quadro e considerando que é dever do INSS conceder o melhor benefício possível, foi editada norma orientando os agentes da Previdência a esclarecerem o segurado quantos a todos os benefícios a que fizer jus no momento da concessão. A essa prática deu-se o nome de reafirmação da DER.

IN 77/2015. Art. 690. Se durante a análise do requerimento for verificado que na DER o segurado não satisfazia os requisitos para o reconhecimento do direito, mas que os implementou em momento posterior, deverá o servidor informar ao interessado sobre a possibilidade de reafirmação da DER, exigindo-se para sua efetivação a expressa concordância por escrito.

E se o pedido já estiver na Justiça?

Quando se trata de processo em curso na Justiça, a questão assume uma complexidade maior, visto que, pelo princípio da congruência, a sentença tem campo de conhecimento restrito, tanto no aspecto subjetivo quanto objetivo, por aquilo que foi estabelecido na Inicial e definido no saneamento. Trata-se da estabilização objetiva e subjetiva da lide, com a fixação da causa de pedir. Tradicionalmente, o que exceder esse campo viola o contraditório e ampla defesa, o princípio da congruência e gera uma nulidade para sentença, já que o julgamento foi além do que pedido (extra petita).

Além disso, é dever processual do autor provar os fatos constitutivos do seu direito. Se desse ônus ele não se desincumbiu, a ação deve ser julgada sem análise do mérito ou mesmo, se tiver avançado para instrução, improcedente.  

Todo esse cenário tornou incerta a aplicação da prática da reafirmação da DER em sede de processo judicial. 

O que disse a Justiça sobre isso?

Levada a questão ao sistema de juizados especiais federais, a questão restou definida como sendo possível a concessão do benefício em favor do segurado que já preenchesse os requisitos para obtenção do benefício, desde que esse pedido já constasse da Inicial. 

No STJ, porém, a questão foi pacificada num sentido ainda mais abrangente e de modo a privilegiar os fins da previdência em favor do segurado. É possível a confirmação da  DER, em sede de processo judicial, ainda que os requisitos somente sejam preenchidos no curso da ação e não tenha sido feito pedido na Inicial neste sentido. O fundamento básico é o disposto no art. 493 do CPC, segundo o qual, os fatos supervenientes que possam influenciar no julgamento da demanda devem ser levados em consideração pelo julgador. 

Veja a seguir o recente e importante julgado (Resp Repetitivo Tema 995): 

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REAFIRMAÇÃO DA DER (DATA DE ENTRADA DO REQUERIMENTO). CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O comando do artigo 493 do CPC/2015 autoriza a compreensão de que a autoridade judicial deve resolver a lide conforme o estado em que ela se encontra. Consiste em um dever do julgador considerar o fato superveniente que interfira na relação jurídica e que contenha um liame com a causa de pedir. 2. O fato superveniente a ser considerado pelo julgador deve guardar pertinência com a causa de pedir e pedido constantes na petição inicial, não servindo de fundamento para alterar os limites da demanda fixados após a estabilização da relação jurídico-processual. 3. A reafirmação da DER (data de entrada do requerimento administrativo), objeto do presente recurso, é um fenômeno típico do direito previdenciário e também do direito processual civil previdenciário. Ocorre quando se reconhece o benefício por fato superveniente ao requerimento, fixando-se a data de início do benefício para o momento do adimplemento dos requisitos legais do benefício previdenciário. 4. Tese representativa da controvérsia fixada nos seguintes termos: É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir. 5. No tocante aos honorários de advogado sucumbenciais, descabe sua fixação, quando o INSS reconhecer a procedência do pedido à luz do fato novo. 6. Recurso especial conhecido e provido, para anular o acórdão proferido em embargos de declaração, determinando ao Tribunal a quo um novo julgamento do recurso, admitindo-se a reafirmação da DER. Julgamento submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos.

Essa decisão do STJ viola a do STF que exige o prévio requerimento?

Contra essa decisão, o INSS interpôs embargos de declaração com a finalidade de esclarecer, entre outros aspectos, se a decisão do STJ violava a julgado do STF, mencionado na resposta aos itens anteriores, que definiu o prévio requerimento como condição especial para configurar o interesse de agir nas ações previdenciárias. O julgamento dos embargos restou assim ementado:

EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 1.727.063 - SP (2018/0046508-9)

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REAFIRMAÇÃO DA DER (DATA DE ENTRADA DO REQUERIMENTO). CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS, SEM EFEITO MODIFICATIVO. 1. Embargos de declaração opostos pelo INSS, em que aponta obscuridade e contradição quanto ao termo inicial do benefício reconhecido após reafirmada a data de entrada do requerimento. 2. É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir. 3. Conforme delimitado no acórdão embargado, quanto aos valores retroativos, não se pode considerar razoável o pagamento de parcelas pretéritas, pois o direito é reconhecido no curso do processo, após o ajuizamento da ação, devendo ser fixado o termo inicial do benefício pela decisão que reconhecer o direito, na data em que preenchidos os requisitos para concessão do benefício, em diante, sem pagamento de valores pretéritos. 4. O prévio requerimento administrativo já foi tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, julgamento do RE 641.240/MG. Assim, mister o prévio requerimento administrativo, para posterior ajuizamento da ação, nas hipóteses ali delimitadas, o que não corresponde à tese sustentada de que a reafirmação da DER implica na burla do novel requerimento. 5. Quanto à mora, é sabido que a execução contra o INSS possui dois tipos de obrigações: a primeira consiste na implantação do benefício, a segunda, no pagamento de parcelas vencidas a serem liquidadas e quitadas pela via do precatório ou do RPV. No caso de o INSS não efetivar a implantação do benefício, primeira obrigação oriunda de sua condenação, no prazo razoável de até quarenta e cinco dias, surgirão, a partir daí, parcelas vencidas oriundas de sua mora. Nessa hipótese deve haver a fixação dos juros, embutidos no requisitório de pequeno valor. 6. Quanto à obscuridade apontada, referente ao momento processual oportuno para se reafirmar a DER, afirma-se que o julgamento do recurso de apelação pode ser convertido em diligência para o fim de produção da prova. 7. Embargos de declaração acolhidos, sem efeito modificativo.

Sobre o Autor

Jean Nunes

Defensor Público estadual (aprovado em 1º lugar), mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão (aprovado em 1º lugar), Professor Assistente da Universidade Estadual do Maranhão (aprovado em 1º lugar).