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Intervenção federal: possibilidade e requisitos.

Imagine que, no Estado de São Paulo, exista um grupo criminoso que controla o tráfico na cidade e comete diversos outros ilícitos. Consiste em uma organização tão coesa e forte que, mesmo de dentro de presídios, consegue formular ações criminosas. Considere que sua ingerência no Estado é tão acentuada que há uma ameaça constante e real à vida e integridade das pessoas que lá vivem. Destaque-se, ainda, que o governo estadual já se mostrou incapaz de afastar a atuação desse grupo, nem mesmo conseguindo evitar sua atuação dentro de presídios.

Diante desse quadro, responda: 

(a) o que é intervenção federal? 

(b) ela seria, em tese, possível na situação apresentada?

(c) se sim, quais os requisitos devem ser observados?

Comentários:

A intervenção federal é um mecanismo de caráter excepcional destinado a restaurar a ordem pública, a normalidade de princípios democráticos e, sobretudo, preservar o pacto federativo e independência e harmonia entre os poderes. Para atingir essa finalidade, suprime-se temporariamente a autonomia de um ente federativo.

Impende destacar que a regra é a não intervenção de um ente político sobre outro (artigo 34 da CF). Contudo, a própria CF prevê hipóteses taxativas em que ela será possível, a fim de possibilitar o restabelecimento da ordem e do respeito a princípios e valores constitucionalmente consagrados.

Nesse passo, a CF/88 prevê casos em que a União poderá intervir em Estados-membros (ou em municípios de eventual Território existente futuramente) e também casos em que um Estado-membro poderá intervir em um de seus Municípios (arts. 34 e 35, respectivamente).

Destaque-se que as Constituições estaduais NÃO PODEM prever outras hipóteses e nem ampliar ou restringir as previstas na CF/88. Outrossim, o art. 35 da CF/88 é norma de reprodução obrigatória nas Constituições estaduais, cabendo-lhes tão somente regular os procedimentos a serem adotados para efetivação da medida.

Especificamente no caso da União (intervenção federal), a CF/88 prevê as seguintes hipóteses que permitem a intervenção em um Estado-membro:

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

I - manter a integridade nacional;

II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;

III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;

IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;

V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:

a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;

b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;

VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta;

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

A depender do motivo, a intervenção se processará de forma distinta, podendo ser caso de participação do Judiciário ou não. Com efeito, haverá intervenção sem a participação do Judiciário, com solicitação direta ao Presidente da República nas seguintes hipóteses:

(I) manter a integridade nacional;

(II) repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;

(III) pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;

(IV) garantir o livre exercício dos Poderes Executivo e Legislativo;

(V) reorganizar as finanças da unidade da Federação que:

a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;

b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;

De outra banda, haverá participação do Judiciário, devendo o Decreto interventivo ser expedido pelo Presidente da República nos seguintes casos:

(IV) garantir o livre exercício do Poder Judiciário - estiver sendo impedido, coagido, de exercer suas funções. Deve solicitar providências ao STF, que, se concordar com o pedido, requisitará a intervenção ao PR (nesse caso, ainda é preciso submeter o Decreto de intervenção ao CN, dentro do prazo de 24 horas);

(VI) prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;

(VII) assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: 

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta;

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

Nas hipóteses de requisição pelo Judiciário fundadas nos incisos VI e VII, não será preciso submeter o Decreto de intervenção à aprovação do Congresso Nacional, uma vez que a decisão de intervenção decorreu de uma ação judicial (a atuação do PR é vinculada).

Com efeito, no caso de inexecução de ordem ou decisão judicial, a requisição partirá de um dos Tribunais Superiores, que julgará a necessidade de intervenção ou não de acordo com o caso concreto. A competência de cada um deles é determinada pela matéria envolvida. Caso a ordem ou decisão judicial que esteja sendo descumprida seja de juiz de primeiro grau ou TJ/TRF, a parte interessada deverá requerer a esse Tribunal, que solicitará a análise do caso ao Tribunal Superior competente (não cabe ao particular requerer diretamente ao Tribunal Superior, salvo se a decisão/ordem que estiver sendo descumprida tenha sido proferida pelo próprio Tribunal Superior – mecanismo de autoridade do órgão judiciário e não de concretização de direitos subjetivos).

De outro lado, em havendo inexecução de lei federal ou inobservância aos princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII), o Procurador-Geral da República deve propor uma representação de inconstitucionalidade interventiva no STF. Em havendo procedência, o STF comunicará o PR que, dentro do prazo improrrogável de 15 dias, expeça o decreto de intervenção.

No caso apresentado, em tese, seria possível a intervenção federal para pôr fim a grave comprometimento da ordem pública (art. 34, III, CF), que se procede por solicitação do Estado ao Presidente da República ou até mesmo podendo ser determinada de ofício por essa autoridade (ato discricionário do Presidente da República). A intervenção seguirá os seguintes passos:

a) Ouvirá as opiniões dos Conselhos da República e de Defesa Nacional;

b) Presidente da República decreta intervenção por meio de Decreto Presidencial, que trará a amplitude, prazo e condições da intervenção, bem como, se for o caso, nomeará interventor para administrar o Estado;

c) Submeterá o Decreto à apreciação do CN no prazo de 24 horas (controle político), sendo caso de convocação extraordinária, caso o CN não esteja em funcionamento;

d) Cessados os motivos ou o prazo da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal.

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Sobre o Autor

Caio Vinícius Sousa e Souza

Procurador do Estado do Piauí em 8º lugar (antes de terminar a graduação). Aprovado em 1º lugar no concurso de Cartório do TJ/MA (pendente fase de títulos). Mestre em Direito Constitucional (UFPI). Pós-graduado em Direito Constitucional e Direito Notarial e Registral. Coordenador, autor e coautor da editora Juspodivm.