Uma das prerrogativas da Fazenda Pública em juízo diz respeito aos prazos processuais 1.
Nos termos do art. 183 do Código de Processo Civil de 2015, o Poder Público goza de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, iniciando a contagem do prazo a partir da intimação pessoal.
Essa intimação pessoal 2 deve se dar na pessoa do representante legal da Fazenda Pública, podendo ocorrer por carga, remessa ou meio eletrônico 3 (art. 183, §1º, CPC).
Ponto importante que o aluno deve ter em mente é que quando a Lei expressamente estabelecer prazo próprio para o Poder Público, não se aplicará a prerrogativa da contagem do prazo em dobro (art. 183, §2º, CPC).
Além da prerrogativa do prazo dobrado, a Fazenda Pública goza ainda da regra geral da contagem dos prazos processuais em dias úteis (art. 219, CPC).
Vejam-se as redações dos dispositivos citados:
Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.
§ 1 o A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico. § 2 o Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público.
Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.
Explicando como se dá a contagem dos prazos a depender do tipo de intimação da Fazenda Pública (carga, remessa ou meio eletrônico), assim aduz o mestre Leonardo Carneiro da Cunha:
Na contagem dos prazos, quando a intimação for feita por carga, considera- se dia do começo do prazo o dia da carga (CPC, art. 231, VIII). Sendo a intimação feita por remessa dos autos, a contagem do prazo, segundo entendimento já firmado no âmbito da jurisprudência do STJ, “... inicia-se no dia da remessa dos autos com vistas, ou, se as datas não coincidirem, do recebimento destes por servidor do órgão, e não a partir do dia em que o representante ministerial manifesta, por escrito, sua ciência do teor da decisão”.
Quando a intimação realizar-se por meio eletrônico, considera-se dia do começo do prazo o dia útil seguinte à consulta ao teor da intimação ou ao término do prazo para que a consulta se dê (CPC, art. 231, V).
(Carneiro da Cunha, Leonardo. A Fazenda Pública em juízo)
Analisando a aplicação do prazo diferenciado para a Fazenda Pública fixado pelo art. 183 do CPC/2015, assim dispõe Guilherme Barros:
A aplicação do artigo 183 é ampla a englobar a atuação tanto como parte, quanto como assistente, como se extrai da expressão “todas as manifestações processuais”.
(...) Quanto aos atos processuais que contempla, o dispositivo também é amplo, a englobar todos os prazos do Poder Público, ressalvada a hipótese em que a lei lhe estabelece prazo próprio. (Barros, Guilherme Freire de Melo. Poder Público em Juízo para Concursos).
Também sobre a interpretação do art. 183 do CPC/2015, veja-se lição de Leonardo Carneiro da Cunha:
A regra aplica-se a qualquer procedimento, seja comum, seja especial, igualmente à fase de cumprimento de sentença (com a ressalva da impugnação) e ao de execução (com a ressalva dos embargos). Registre-se que o art. 183 do CPC aplica-se, apenas, a prazos legais, não colhendo os prazos judiciais. Isso porque, nesses últimos, o juiz já fixa o prazo e, ao fixá-lo, leva em conta que seu destinatário é a Fazenda Pública. A Fazenda Pública desfruta da prerrogativa dos prazos diferenciados não somente quando atua como parte, mas também quando comparece em juízo como assistente de uma das partes ou, ainda, quando figura como interveniente. Observe-se, a propósito, que o art. 183 dispõe que a Fazenda Pública goza de prazo em dobro em todas as suas manifestações processuais, seja a que título for: como parte ou como interveniente.
(Carneiro da Cunha, Leonardo. A Fazenda Pública em juízo)
ATENÇÃO.: A previsão legal de prazos diferenciados para o Poder Público é constitucional, não violando o princípio da isonomia. Pelo contrário, justamente em razão da necessidade de tratamento desigual aos desiguais (na medida de suas desigualdades) é que a Advocacia Pública detém maiores prazos para se desincumbir de suas demandas, afinal, o regime jurídico de direito público atrai uma maior complexidade às questões referentes à estrutura administrativa dos entes públicos. Além disso, não se pode perder de vista que o Poder Público atua na defesa do erário e dos demais interesses da coletividade, o que justifica sua posição processual diferenciada.
Uma das novidades trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015 foi a previsão de prazo em dobro para litisconsortes que contem com procuradores de diferentes escritórios de advocacia (art. 219, CPC) 4 . Questiona-se, neste ponto, se é possível aplicar tal regra cumulativamente à prevista no art. 183 do CPC/2015.
A resposta é negativa. Quer dizer, assim, que figurando o Poder Público em litisconsórcio, não haverá que se falar em prazo quadruplicado, permanecendo apenas a regra do prazo em dobro contado em dias úteis.
Veja-se o que a doutrina comenta sobre o tema:
Proposta uma ação de conhecimento em face de dois réus, sendo um deles o Poder Público, o prazo de contestação é de 30 dias úteis para o ente público (art. 183 c/c art. 219) e de 30 dias úteis para o particular (art. 229 c/c art. 335 c/c art. 229).
(...)
Os dois dispositivos em questão, artigos 183 e 229, têm aplicação diversa. O artigo 183 é destinado à advocacia pública, ao passo em que o artigo 229 se aplica aos litisconsortes com advogados distintos, de escritórios de advocacia distintos. Inclusive, o prazo em dobro no litisconsórcio não se aplica às hipóteses em que o processo é eletrônico 5 (art. 229, §2º). Em ambos, o prazo é contado em dobro para todas as manifestações, mas apenas a advocacia pública tem direito à intimação pessoal. (Barros, Guilherme Freire de Melo. Poder Público em Juízo para Concursos).
No mesmo sentido aduz Leonardo Carneiro da Cunha:
À evidência, revela-se inviável cumular a regra do art. 183 com a do art. 229, ambos do CPC, sendo certo que a Fazenda Pública dispõe de prazo dobro para suas manifestações processuais, sem acréscimo de outra dilatação ou ampliação de prazo.
(Carneiro da Cunha, Leonardo. A Fazenda Pública em juízo)
Vistas, assim, as questões gerais sobre a prerrogativa de prazo aplicada à Fazenda Pública, passam-se a ver os CASOS EM QUE NÃO SE APLICA O PRAZO EM DOBRO:
a) A primeira das hipóteses é quando a Lei preveja de forma expressa um prazo próprio para o ente público (§2º do art. 183 do CPC). Como exemplos, podemos citar os prazos para a defesa do ente público quando da execução de títulos judiciais e também extrajudiciais, prevendo o CPC o prazo específico de 30 dias 6 para a apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença ou dos embargos à execução, respectivamente.
Outro exemplo é a previsão na Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública 7 que já afasta de forma expressa a contagem diferenciada de prazos para as pessoas jurídicas de direito público nas demandas que ali tramitem.
b) No que se refere aos prazos judiciais, isto é, aqueles fixados pelo juiz da causa para a prática de algum ato no âmbito do processo, o aluno deve observar duas situações possíveis:
Se o despacho do juiz é genérico e dirigido a ambas as partes (“digam as partes em X dias), há a necessidade de contagem em dobro de prazo em razão da aplicação direta do artigo 183 do CPC-2015. Já se o despacho for dirigido especificamente para o Poder Público (“comprove o Estado em 5 dias o cumprimento da liminar”), a hipótese dá margem para dúvidas. É que o §2º afasta a prerrogativa de prazo apenas “quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio”. Logo, em interpretação estrita, a intimação com prazo judicial apenas para o Poder Público teria a prerrogativa de contagem em dobro. De outro lado, é possível dar uma interpretação mais ampla para o §2º para se entender que se o juízo fixa prazo específico para o Poder Público, então esse é o prazo de que dispõe o ente para manifestação.
(Barros, Guilherme Freire de Melo. Poder Público em Juízo para Concursos).
Ainda não há posicionamento da jurisprudência pátria sobre o tema, mas, na prática, procura-se cumprir a determinação no prazo fixado pelo magistrado especificamente para a Fazenda Pública (nesse caso, sem contá-lo em dobro), a fim de evitarem-se prejuízos processuais e, consequentemente, ao interesse público.
c) Ainda prevalece na jurisprudência o não cabimento do prazo em dobro no âmbito das Ações de Controle de Constitucionalidade. Esse entendimento era consolidado no STF à época do CPC/73 e, em que pese tenha havido decisões isoladas sobre a contagem dobrada nessas demandas, não se pode falar em superação da jurisprudência anterior. O CPC/2015 não aborda a questão.
d) Não há contagem de prazo dobrado para a Fazenda Pública ajuizar Ação Rescisória. Isso quer dizer que o ente público tem os mesmos dois anos que tem um particular para mover a ação com o propósito de desconstituir a coisa julgada. Por outro lado, o posicionamento dos Tribunais Superiores é no sentido de que para apresentação de defesa 8 à ação rescisória aplica-se o prazo dobrado para o ente público.
e) O prazo de apresentação de informações no âmbito da Ação de Mandado de Segurança também não é dobrado, pois há previsão expressa do prazo de dez dias na Lei nº 12.016/2009, atraindo, assim, a incidência do art. 183, §3º, do CPC. Já os prazos para interposição dos recursos cabíveis ao longo do procedimento do Mandado de Segurança serão dobrados (se interpostos pela pessoa jurídica de direito público), na forma do caput do art. 183 do CPC.
(...) no mandado de segurança o recurso é interposto pela pessoa jurídica da qual faz parte a autoridade coatora, podendo esta também interpor o recurso, caso presente seu interesse próprio. É possível, então, que a autoridade interponha recurso quando pretenda prevenir sua responsabilidade decorrente do ato coator. Quando o recurso é interposto pela autoridade, e não pela pessoa jurídica da qual ela faz parte, não há prazo diferenciado. Quer isso dizer que a autoridade não dispõe de prazo em dobro para recorrer; essa é uma prerrogativa da pessoa jurídica de direito público, e não da autoridade apontada como coatora no mandado de segurança.
(Carneiro da Cunha, Leonardo. A Fazenda Pública em juízo)
f) Em que pese não haja posicionamento pacífico dos Tribunais Superiores, tem prevalecido o entendimento jurisprudencial da não aplicabilidade do prazo dobrado para interposição do Agravo no âmbito do Pedido de Suspensão de Segurança 9 . Entretanto, a doutrina critica esse entendimento, afinal sendo a interposição de um recurso um ato processual, caberia a aplicação da regra do art. 183 do CPC, pois a Fazenda Pública tem prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais.
g) O prazo para apresentação da contestação à Ação Popular também não é dobrado para a Fazenda Pública, sendo comum para todos os interessados. Assim, a contestação deve ser oferecida no prazo 20 dias 10 (que pode ser prorrogado por mais 20 dias a critério do juízo, em razão da dificuldade na produção de prova documental).
h) O prazo para impugnação ao cumprimento da sentença e para apresentação dos embargos à execução pela Fazenda Pública não é dobrado.
Nos termos do art. 535 do CPC, a Fazenda Pública é, no cumprimento de sentença, intimada para apresentar impugnação no prazo de 30 (trinta) dias. O prazo de 30 (trinta) dias para impugnar é específico, sendo próprio para a Fazenda Pública. Logo, não deve ser computado em dobro (CPC, art. 183, § 2º). Na execução fundada em título extrajudicial, a Fazenda Pública é citada para embargar no prazo de 30 (trinta) dias. Há, também aqui, um prazo específico para a Fazenda Pública. Seu prazo é de 30 (trinta) dias, não havendo
contagem em dobro.
(Carneiro da Cunha, Leonardo. A Fazenda Pública em juízo)
Obs.: Para o comparecimento à audiência de conciliação e mediação 11 , que inicia o procedimento comum, não há previsão de prazo específico para o Poder Público. Nesse caso, deve-se aplicar a regra geral do prazo em dobro. Assim, se o art. 334 do CPC/2015 diz que a audiência de conciliação e mediação deve ser designada com antecedência mínima de 30 dias e que o réu deve ser citado com pelo menos 20 dias de antecedência, nos casos em que o Poder Público figurar como parte esses prazos são dobrados: a citação do Estado deve ser feita com pelo menos 40 dias de antecedência e a audiência designada com antecedência mínima de 60 dias.