Inicialmente, é preciso estabelecer o que preconiza a chamada “regra de ouro” da Constituição Federal, prevista no Art. 167, III, da Carta Magna: “Art. 167. São vedados: [...] III - a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta;”.
Essa é uma norma lógica e de grande importância para as finanças públicas do País, tanto que sua presença é consagrada na Constituição Federal e reproduzida na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF, art. 12, § 2º): "O montante previsto para as receitas de operações de crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital constantes do projeto de lei orçamentária."
A mensagem veiculada por esse dispositivo constitucional, claramente, é a de que o endividamento só pode ser admitido, como regra, para a realização de investimentos ou abatimento da dívida. Ou seja, deve-se evitar tomar dinheiro emprestado para gastar com despesa corrente, mas pode-se obter empréstimos para cobrir despesa de capital - o déficit, em relação a este tipo de despesa, é até permitido, por presumir o legislador constituinte que se trata de um gasto público “qualificado”, mas dependerá de autorização legislativa com aprovação por maioria absoluta e para finalidade precisa do gasto.
Por sua vez, o artigo 35 da LRF, em seu parágrafo primeiro, possibilita que um ente obtenha empréstimo em outra instituição financeira estatal controlada por outro ente. Por exemplo, o Poder Executivo do Estado de Sergipe pode obter empréstimo junto ao Banco do Brasil ou outra instituição financeira federal ou, até mesmo, de outras esferas, como o Banco do Rio Grande do Sul.
Apesar dessa abertura normativa, é preciso destacar que há restrições à destinação desses recursos, estampadas no § 1º desse mesmo artigo 35 da LRF:
“Art. 35. [...] § 1º Excetuam-se da vedação a que se refere o caput as operações entre instituição financeira estatal e outro ente da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, que não se destinem a:
[..]
I - financiar, direta ou indiretamente, despesas correntes;
II - refinanciar dívidas não contraídas junto à própria instituição concedente.”
Tal regra tem esteio, por sua vez, no que dispõe o Art. 167, X, da Constituição Federa, que não permite a concessão de empréstimos para pagamento de pessoal ativo, inativo e pensionistas:
“Art. 167. São vedados:
[...]
X - a transferência voluntária de recursos e a concessão de empréstimos, inclusive por antecipação de receita, pelos Governos Federal e Estaduais e suas instituições financeiras, para pagamento de despesas com pessoal ativo, inativo e pensionista, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Há que se observar, contudo, que não há proibição legal para o ente pegar empréstimo em banco privado ou mesmo em organismo internacional para financiar despesas correntes, pois a vedação do parágrafo primeiro do artigo 35 é apenas para empréstimo com instituição financeira estatal.
Logo se verifica, pelo exposto, que há possibilidades de utilização de receitas de operações de crédito para financiar despesas correntes, inclusive gastos com pessoal, DESDE QUE O MONTANTE NÃO ULTRAPASSE AS DESPESAS DE CAPITAL, sem embargo de que o Poder Legislativo pode autorizar, também, a abertura de créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, em montante superior às despesas de capital previstas na LOA, desde que aprovados por maioria absoluta (art. 167, III, parte final, da CF/1988).
Tal possibilidade foi consignada, inclusive, em recente decisão proferida pelo Ministro Luis Roberto Barroso, no âmbito da ADI n. 5.683/RJ, em que o Ministro destacou que o Estado pode tomar empréstimo para pagar seus funcionários, contudo, disse, apenas não pode fazer isso com verbas de bancos públicos, conforme determinado pelo inciso X do artigo 167 da Carta Magna.
No caso em comento, a lei estadual autorizou o governo do Rio a contratar financiamento “junto a instituições financeiras nacionais ou internacionais, organismos multilaterais e bilaterais de crédito, agências de fomento ou agência multilateral de garantia de financiamentos”, mas não especificou se as entidades nacionais de que trata são públicas ou privadas. Ou seja, a inconstitucionalidade residiria apenas na falta de especificação da entidade concedente do empréstimo.
Ademais, o Ministro também negou a alegação de que a venda da estatal viola o artigo 167, III, da Carta Magna – a regra de ouro já aludida. Na visão de Barroso, essa regra não veda o uso de operações de crédito para pagar despesas correntes, e sim determina que o valor dessas transações não pode exceder as despesas de capital, in verbis: “A intenção é a de que o endividamento sirva à realização de investimento, não ao simples custeio do funcionamento da administração pública”.
Vale destacar que ainda não há uma reiteração de decisões nesse sentido, ou seja, não existe uma sólida jurisprudência do STF que indique seja essa a tese a se firmar futuramente, mas, considerando o precedente apontado, bem como o fato de que inúmeros Estados e Municípios enfrentam crises fiscais gravíssimas, a tendência é que novas discussões desse tema voltem a surgir na Suprema Corte.
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