Prezados, a resposta para a pergunta que intitula este texto, como quase tudo no Direito, é DEPENDE.
A REGRA é a seguinte: Nos termos do §3° do art. 6° da Lei n° 8.987/95 (Lei Geral de Concessões e Permissões de Serviço Público), exige-se para a interrupção da prestação do serviço a) uma situação de emergência ou b) após aviso prévio, i) quando o usuário estiver inadimplente e ii) quando a interrupção se der por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações.
Art. 6°. (...)
(...)
§ 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:
I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,
II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.
EXCEÇÕES: Há situações em que – mesmo havendo inadimplemento do usuário – a jurisprudência entende pela IMPOSSIBILIDADE de suspensão do fornecimento do serviço público essencial (a exemplo da água e da energia elétrica – vide art. 10 da Lei n° 7783/89 - Lei de Greve):
a) Quando os débitos em atraso não foram contraídos pelo atual morador, mas sim pelo anterior, pois esta dívida tem natureza pessoal (não é uma obrigação propter rem);
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO NO FORNECIMENTO DE ÁGUA. DÍVIDA PRETÉRITA. IMPOSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO PESSOAL. PRECEDENTES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR EXORBITANTE. NÃO CONFIGURADO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o corte de serviços essenciais, tais como água e energia elétrica, pressupõe o inadimplemento de conta regular, sendo inviável, portanto, a suspensão do abastecimento em razão de débitos antigos realizados por usuário anterior. 2. O entendimento firmado neste Superior Tribunal é no sentido de que o débito, tanto de água como de energia elétrica, é de natureza pessoal, não se caracterizando como obrigação de natureza propter rem. 3. [...] (AgRg no REsp 1258866/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/10/2012, DJe 22/10/2012)
b) Quando os débitos já estiverem consolidados no tempo, isto é, sejam antigos. Isso porque só é possível o corte de serviços essenciais se houver inadimplemento da conta do mês do consumo, sendo inviável a interrupção do fornecimento em virtude de débitos pretéritos;
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. TARIFA DE ÁGUA. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO EM RAZÃO DE DÉBITOS PRETÉRITOS. IMPOSSIBILIDADE. CONFIGURAÇÃO DOS DANOS MORAIS. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO- PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. VALOR DO DANO MORAL. VIOLAÇÃO À LEI FEDERAL. DISPOSITIVOS NÃO INDICADOS. SÚMULA 284/STF. 1. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que é vedada a suspensão no fornecimento de serviços de energia e água em razão de débitos pretéritos. O corte pressupõe o inadimplemento de conta regular, relativa ao mês do consumo. 2. [...] 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 752.030/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/10/2015, DJe 04/11/2015)
c) Quando o débito for decorrente de “fraude” no medidor apurada de forma unilateral pela Concessionária de serviço público. Ao consumidor deve ser garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa e a Concessionária para fins de efetuar a cobrança nestas hipóteses deve se utilizar dos meios ordinários e não do corte no fornecimento do serviço.
[...] II. No caso, conforme consignado pela Corte de origem, trata-se de hipótese de cobrança de débito, decorrente de suposta fraude no medidor de consumo, constatada através de inspeção unilateral, efetivada pela concessionária fornecedora. III. O acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que é ilegal o corte no fornecimento de serviço público essencial, se o débito for ocasionado por suposta fraude no aparelho medidor, que foi apurada unilateralmente, pela concessionária. Precedentes do STJ (AgRg no AREsp 412.849/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 10/12/2013; AgRg no AREsp 391.667/RJ, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 21/11/2013; AgRg no AREsp 357.553/PE, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 26/11/2014).
A Lei n° 7783/89 (Lei de Greve) considera os seguintes serviços como essenciais:
Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:
I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II - assistência médica e hospitalar; III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV - funerários; V - transporte coletivo; VI - captação e tratamento de esgoto e lixo; VII - telecomunicações; VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais; X - controle de tráfego aéreo; XI - compensação bancária. |
E quando o usuário inadimplente é o Poder Público?
O Superior Tribunal de Justiça entende ser legítimo o corte mesmo quando o inadimplente for pessoa jurídica de Direito Público, desde que haja prévia notificação e a interrupção não atinja as unidades prestadoras de serviços indispensáveis à população, a exemplo de hospitais que atuam diretamente na garantia do direito à vida.
Vejam-se os seguintes julgados:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. INTERESSE DA COLETIVIDADE. PRESERVAÇÃO DE SERVIÇOS ESSENCIAIS. 1. [...] 3. "A suspensão do serviço de energia elétrica, por empresa concessionária, em razão de inadimplemento de unidades públicas essenciais - hospitais; pronto-socorros; escolas; creches; fontes de abastecimento d'água e iluminação pública; e serviços de segurança pública -, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, despreza o interesse da coletividade" (EREsp 845.982/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 24/6/2009, DJe 3/8/2009). 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 543.404/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/02/2015, DJe 27/02/2015).
ADMINISTRATIVO. ENERGIA ELÉTRICA. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. INTERESSE DA COLETIVIDADE. PRESERVAÇÃO DE SERVIÇOS ESSENCIAIS. 1. O Superior Tribunal de Justiça entende que, nos casos de inadimplência de pessoa jurídica de direito público, é inviável a interrupção indiscriminada do fornecimento de energia elétrica. 2. Não há que se proceder à suspensão da energia elétrica em locais como hospitais, escolas, mercados municipais, bem como em outras unidades públicas cuja paralisação seja inadmissível, porquanto existem outros meios jurídicos legais para buscar a tutela jurisdicional, como a ação de cobrança. 3. In casu, o Tribunal a quo salientou que na Municipalidade, "dada a precariedade de suas instalações, em um único prédio, funcionam várias Secretarias e até mesmo escolas", a suspensão do fornecimento de energia iria de encontro ao interesse da coletividade. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1142903/AL, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/09/2010, DJe 13/10/2010).
Portanto: o corte no fornecimento não pode alcançar os serviços públicos essenciais para a coletividade, tendo em vista a existência de outros meios à disposição da parte credora para a cobrança dos débitos.
IMPORTANTE: não se deve concluir que em momento algum será possível o corte do serviço quando pessoa jurídica de Direito Público figurar como usuário inadimplente, pois esta também tem de cumprir com suas obrigações. O que se deve inferir é que é necessária uma PONDERAÇÃO dos interesses envolvidos, a fim de não prejudicar ainda mais a coletividade (nestes casos, ainda que não haja o corte no fornecimento, o débito continua sendo devido pelo ente público à concessionária e esta poderá cobrar utilizando de todos os meios legais admitidos em lei).
Obs.: Quando a inadimplência for em unidade de saúde, o Superior Tribunal de Justiça entende que é ilegítimo o corte, uma vez que prevalecem os interesses de proteção à vida e à saúde da população.
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