Divergência Doutrinária: como se portam FCC e CESPE - Cursos preparatórios para concursos | Themas Cursos ®

Blog

Divergência Doutrinária: como se portam FCC e CESPE

DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA: COMO SE PORTAM FCC E CESPE

O objetivo dessa post é simples: auxiliar o candidato em questões polêmicas, precipuamente aquelas embasadas em classificações doutrinárias desprovidas de uniformidade.

Com efeito, esse tipo de questão tem sido uma armadilha para candidatos preparados, os quais perdem pontos valiosos em virtude da incoerência das bancas.

Nesse contexto, no que concerne ao Direito Administrativo é bem comum a cobrança de questões doutrinárias vacilantes entre os principais doutrinadores nacionais.

Sendo assim, enquanto não resta aprovada a Lei Geral dos Concursos Públicos, a qual veda a adoção de critério de correção baseada em posições doutrinárias isoladas, não consolidadas ou negadas por parcela majoritária da doutrina nacional (art. 24, §1º), temos que adotar estratégias voltadas para desvendar as bancas.

Sobre isso, veja-se a seguinte indagação: a descentralização por outorga de serviços transfere ou não a titularidade do serviço público?

Em sede doutrinária, tem-se:

Maria Sylvia Di Pietro (2017, p. 439) argumenta que “no caso da descentralização por serviço, o ente descentralizado passa a deter a titularidade e a execução do serviço; em consequência, ele desempenha o serviço com independência em relação à pessoa que lhe deu vida, podendo opor-se a interferências indevidas; estas somente são admissíveis nos limites expressamente estabelecidos em lei e têm por objetivo garantir que a entidade não se desvie dos fins para os quais foi instituída. Essa a razão do controle ou tutela a que tais entidades se submetem nos limites da lei”.

Outrossim, Fernanda Marinela (2016, p. 162) assevera que “reconhece-se, ainda, a descentralização por serviços, funcional ou técnica, que se verifica quando a Administração Direta cria uma pessoa jurídica de direito público ou privado e a ela transfere a titularidade e a execução de determinado serviço público(...) Para a doutrina brasileira, a titularidade dos serviços e atividades públicas não pode sair das mãos do Poder Público, só sendo possível essa transferência para as pessoas da Administração Indireta, mais especificamente as de direito público, como é o caso das autarquias e das fundações públicas de direito público, o que se define como outorga de serviços públicos, a qual depende de lei para sua realização”.

Na mesma esteira, Hely Lopes (2016, p. 485) leciona que “a transferência da titularidade do serviço é outorgada por lei e só por lei pode ser retirada ou modificada; a transferência da prestação do serviço é delegada por ato administrativo (bilateral ou unilateral) e pela mesma forma pode ser retirada ou alterada, exigindo apenas, em certos casos, autorização legislativa. Entre nós, a outorga de serviço público ou de utilidade pública é feita às autarquias, fundações públicas e às empresas estatais, pois que a lei, quando as cria, já lhes transfere a titularidade dos respectivos serviços, e a delegação é utilizada para o traspasse da execução de serviços a particulares, mediante regulamentação e controle do Poder Público”.

Do mesmo modo, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2017, p. 98) salientam que “ao autorizar a criação de uma empresa pública ou sociedade de economia mista para a prestação de um serviço público, a própria lei autorizadora, desde logo, confere à entidade a ser instituída a competência correspondente. Perfilhamos a orientação doutrinária segundo a qual toda atribuição de competência efetuada mediante lei implica a transferência da titularidade da atividade atribuída, e não de seu mero exercício. Os administrativistas empregam as expressões "outorga", ou "outorga legal", ou "descentralização por serviços" para designar essa atribuição de competência efetuada por meio de lei – e que, exatamente por essa razão, transfere a titularidade da atividade atribuída.

A consequência do entendimento descrito no parágrafo precedente – que não e consensual na doutrina - e não ser cabível cogitar a celebração de um contrato de concessão ou de permissão de determinado serviço público em que seja concessionária ou permissionária uma empresa pública ou sociedade de economia mista cuja criação tenha sido autorizada em lei exatamente para a prestação desse serviço público”.

Em sentido contrário e com a perspectiva crítica que lhe é inerente, José dos Santos Carvalho Filho (2017, p.248) sustenta que “(delegação legal) e a outra é a que se dá por negócio jurídico de direito público (delegação negocial). A ambas dedicaremos alguns comentários a seguir. Antes, porém, deve anotar-se que autorizada doutrina alude a tais instrumentos com as denominações, respectivamente, de descentralização por outorga e por delegação, entendendo-se que pela primeira o Poder Público transfere a própria titularidade do serviço, ao passo que pela segunda a transferência tem por alvo apenas a execução do serviço. Nesse caso, a delegação somente ocorreria quando o Estado firmasse negócio jurídico, mas não quando criasse entidade para sua Administração Indireta.

Lamentamos divergir de semelhante entendimento. Os serviços públicos estão e sempre estarão sob a titularidade das pessoas federativas, na forma pela qual a Constituição procedeu à partilha das competências constitucionais. Essa titularidade, retratando, como retrata, inequívoca expressão de poder político e administrativo, é irrenunciável e insuscetível de transferência para qualquer outra pessoa. Resulta, por conseguinte, que o alvo da descentralização é tão somente a transferência da execução do serviço (delegação), e nunca a de sua titularidade. O que muda é apenas o instrumento em que se dá a delegação: numa hipótese, o instrumento é a lei (que, além de delegar o serviço, cria a entidade que vai executá-lo), enquanto na outra é um contrato (concessões ou permissões de serviços públicos para pessoas já existentes). Mas em ambos os casos o fato administrativo é, sem dúvida, a delegação”.

Por seu turno, Matheus Carvalho ilustra a posição doutrinária majoritária (2017, p. 161): “Para a doutrina majoritária, a outorga é conferida, somente, para pessoas jurídicas de direito público, como as autarquias ou fundações públicas de direito público, as quais se tornam titulares do serviço a elas transferido, executando essas atividades por sua conta e risco, sem, contudo, excluir o controle dos entes federativos. A outorga, também denominada de descentralização por serviço ou descentralização funcional, é feita sempre mediante edição de lei específica que cria essas entidades e a elas transfere a atividade pública. Deve ser ressaltado, contudo, que mesmo quando o estado transfere a titularidade do serviço, ele se mantém responsável pelos danos decorrentes da atividade, de forma subsidiária.

Por fim, Rafael Carvalho, em teor descritivo, aborda a crítica retratada anteriormente por outros autores (2017, p. 158): “crítica que tem sido atribuída às formas de descentralização refere-se ao critério da transferência ou não da titularidade da atividade administrativa. Isto porque não se pode admitir que o Estado transfira a titularidade que lhe foi atribuída pela Constituição, considerada irrenunciável. Em verdade, a descentralização só pode abranger a execução da atividade. Por essa razão, em qualquer descentralização, operacionalizada por lei ou negócio jurídico, é possível ao Ente Federativo, titular da atividade descentralizada, retomar a sua execução, desde que seja respeitado o princípio da simetria das formas (ex.: a lei pode extinguir uma pessoa administrativa e, com isso, a atividade seria devolvida ao Ente; a extinção do contrato de concessão acarreta a devolução da execução do serviço ao Poder Concedente). Da mesma forma, a responsabilidade subsidiária dos Entes Federados, por danos causados pelas respectivas entidades administrativas, demonstra que a titularidade do serviço permanece com o Ente, pois, caso contrário, não haveria qualquer nexo causal capaz de gerar tal responsabilidade.

 

Vejam que Rafael Carvalho defende que a descentralização por serviço só pode abranger a execução da atividade porque é possível ao ente federativo retomar a execução do serviço público descentralizado, bem como responde subsidiariamente pelos danos causados pelas respectivas entidades administrativas. Se fosse, de fato, outorgada a titularidade do serviço público, não haveria falar em responsabilidade subsidiária do ente federativo.

Em sentido contrário, é interessante destacar raciocínio prático evidenciado por Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2017, p. 98):

Observe-se que a Constituição Federal, no seu art. 175, assevera “que a prestação de serviços públicos ‘sob regime de concessão ou permissão’ deve ser feita ‘sempre através de licitação’.

Caso se pretendesse aplicar essa norma constitucional a empresas públicas e sociedades de economia mista criadas para a prestação de serviços públicos, poder-se-ia chegar à seguinte situação absurda: imagine-se que, depois de autorizada em lei federal, tivesse sido criada, para a prestação de um determinado serviço público de competência da União, a empresa pública ALFA. Suponha-se que fosse obrigatória a celebração de contrato de concessão para que ALFA pudesse prestar esse serviço público. O que ocorreria com ALFA, se ela não se sagrasse vencedora no inafastável procedimento licitatório prévio? Seria extinta "de pleno direito"? Ficaria "inativa", aguardando, durante anos a fio, o término da concessão que não logrou obter, para então, na licitação seguinte, tentar de novo? Ao lado dessas dificuldades, perguntamos, ainda, qual justificativa poderia haver para que a atribuição à entidade da competência para a prestação do serviço público demandasse dois instrumentos distintos, parcialmente sobrepostos - a lei e o contrato de concessão ou de permissão. Seria necessária a lei para transferir a titularidade do serviço e o contrato para possibilitar a sua execução? Parece-nos evidente que a lei que transfere a titularidade do serviço público outorga, simultânea e automaticamente, a competência para a sua prestação.

As duas linhas argumentativas, como se vê, apontam boas linhas de raciocínio para que você adote a sua posição.

Sendo assim, em suma, a divergência doutrinária se estabelece em razão das seguintes premissas:

a) para uma primeira corrente, capitaneada por Hely Lopes, a outorga por lei de um serviço público transfere não só a execução como sua titularidade;

b) para uma segunda vertente, bem construída por José dos Santos, a descentralização por outorga (delegação legal em sua classificação) só pode abranger a execução do serviço público, pois a titularidade desse é privativa do ente político, apenas o modo como haverá a delegação de tal execução é que irá diferir – se por lei (delegação por legal) ou se por negócio jurídico (delegação negocial).

Para sistematizar os entendimentos doutrinários, segue o quadro-resumo:

DESCENTRALIZAÇÃO POR OUTORGA DE SERVIÇO PÚBLICO

1ª Corrente: transfere a execução e a titularidade do serviço público

2ª Corrente: transfere apenas a execução do serviço público

1.  Maria Sylvia Di Pietro (engloba também as empresas estatais – a diferença está apenas nas prerrogativas e privilégios, que são menores)

2. Fernanda Marinela (engloba apenas as pessoas jurídicas de direito público)

3. Hely Lopes Meirelles (engloba também as empresas estatais)

4. Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (engloba também as empresas estatais)

1. José dos Santos Carvalho Filho

2. Rafael Carvalho

 

Considerando o parâmetro doutrinário, registrem-se as questões do CESPE que cobraram a classificação em comento:

 

  • CESPE adotando a primeira corrente:

Ano: 2013 Banca: CESPE Órgão: TJ-DFT Prova: Técnico Judiciário - Área Administrativa

Quando o Estado cria uma entidade e a ela transfere, por lei, determinado serviço público, ocorre a descentralização por meio de outorga.

CERTO

 

 

Ano: 2014 Banca: CESPE Órgão: Polícia Federal Prova: Agente Administrativo

A transferência, mediante ato administrativo, da execução de determinado serviço público a uma autarquia configura descentralização administrativa por outorga.

ERRADO


 

Ano: 2010 Banca: CESPE Órgão: MS Prova: Todos os Cargos

A descentralização administrativa efetiva-se por meio de outorga quando o Estado cria uma entidade e a ela transfere, por lei, determinado serviço público.

CERTO

 

Ano: 2010 Banca: CESPE Órgão: MPU Prova: Técnico Administrativo

 

Considere que um estado crie, por meio de lei, uma nova entidade que receba a titularidade e o poder de execução de ações de saneamento público. Nessa situação, configura-se a descentralização administrativa efetivada por meio de outorga.

CERTO

 

  • FCC adotando a primeira corrente:

 

Ano: 2016 Banca: FCC Órgão: AL-MS Prova: Assistente Jurídico

No que concerne à descentralização por serviços, também denominada de descentralização funcional ou técnica, considere:

I. Cria-se pessoa jurídica de direito público ou privado e a ela atribui-se a titularidade e a execução de determinado serviço público.

CERTO

III. Corresponde, basicamente, às autarquias, mas abrange também as sociedades de economia mista e as empresas públicas, dentre outras.

CERTO

 

Ano: 2015 Banca: FCC Órgão: TJ-PE Prova: Juiz Substituto

A empresa Eletropubli S/A é uma sociedade de economia mista controlada pelo Estado X, criada no ano de 2000, com a finalidade de atuar na área de geração de energia hidrelétrica. Baseado nessas informações, é correto afirmar que se trata de

a) órgão estatal, que atua por meio de desconcentração, não havendo delegação no caso em tela.

b) pessoa jurídica de direito público, havendo no caso descentralização por delegação da União, titular do serviço em questão.

c) pessoa jurídica de direito privado, havendo no caso descentralização por meio de delegação da União, titular do serviço em questão.

d) pessoa jurídica de direito público, havendo no caso descentralização por outorga legal dada pelo Estado-membro, titular do serviço em questão.

e) pessoa jurídica de direito privado, havendo no caso descentralização por outorga legal dada pelo Estado-membro, titular do serviço em questão.

Alternativa “C”

Observação: FCC adotou o entendimento no sentido da primeira corrente, porém, que exclui as empresas estatais do regime de outorga por serviço

 

Ano: 2015 Banca: FCC Órgão: TRT - 4ª REGIÃO (RS) Prova: Analista Judiciário

A organização administrativa pode ser implementada por meio de descentralização e desconcentração. Nos dizeres de Maria Sylvia Zanella di Pietro, quando o Poder Público (União, Estados ou Municípios) cria uma pessoa jurídica de direito público ou privado e a ela atribui a titularidade e a execução de determinado serviço público, significa que adotou a forma de:

e) descentralização administrativa funcional, uma vez que a pessoa jurídica é criada para a finalidade correspondente à execução de determinada atividade material, sendo que no caso das autarquias, também pode abranger a transferência da titularidade de serviço público.

CERTA


Ante o exposto, podemos extrair a seguinte conclusão: em se tratando de CESPE e FCC é seguro adotar o entendimento firmado pela primeira corrente (doutrina majoritária), observando-se a subclassificação de que a transferência da titularidade do serviço público só pode ser conferida à pessoa jurídica de direito público.

Sobre o Autor

Francimar Soares da Silva Júnior

Procurador do Estado de São Paulo. Ex-Procurador do Município de São Luís (5º lugar). Coautor do livro "Curso de Peças e Pareceres - Advocacia Pública - Teoria e Prática" e autor do livro "Desvendando as provas discursivas - teoria e prática", ambos pela Editora JusPodivm.